REFLEXÕES - Por que fazemos Arte?


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Pama Loiola, "Perfume da Saudade", 2005. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra8989/perfume-da-saudade
Uma de minhas colegas de formação em Artes Plásticas: Pama Loiola, artista praticante e convicta -produtora das obras com as quais ilustro essa Reflexão- ao ler o texto: Arte pra Que?, postado anteriormente, colocou algumas questões que me levaram a repensar esse assunto, então me fiz essa pergunta sob novo viés: Por que fazemos Arte?

Essa pergunta leva, inicialmente, ao questionamento das motivações que estimulam alguém a produzir Arte e, com certeza, não há uma só resposta, mas talvez algumas pistas para entender tais motivações e, quem sabe, entender um pouco mais à respeito disso.
Se fizermos essa pergunta aos artistas provavelmente vamos encontrar muitas respostas e, talvez, a maioria seja muito parecida.


Pama Loiola, acesse em: http://pamaloiola.blogspot.com/p/bio-cv.html
Supus, no texto anterior, que as pessoas que escolhem o percurso da Arte são motivadas pelas habilidades e domínios que já possuem ou querem desenvolver. Tais habilidades são de caráter cognitivo ou psicomotor, ou seja, possuem capacidade intelectual e motora para lidar com o conhecimento, com os instrumentos, ferramentas e materiais pertinentes ao campo da expressão que admiram, ou seja, o componente afetivo e emocional construído em torno desse campo de interesse, as leva a fazerem essa escolha.
Independente e à despeito de toda dificuldade que encontraram e encontrarão nesse meio, mesmo assim, continuam dispostas a se manter nessa área.
Pode-se supor também que algumas pessoas foram motivadas pela ilusão de que a Arte é um campo de consagração de visibilidade e sucesso garantidos, já que as mídias de comunicação social sempre destacam artistas, obras, espetáculos fabulosos e altamente rentáveis.
De um modo ou de outro fez-se uma escolha por um caminho que pode se tornar uma carreira autosustentável ou não...

Normalmente a escolha de um percurso profissional vislumbra também a possibilidade de manutenção, sobrevivência e sustento, mas como se sabe, as condições de sobrevivência no campo da Arte Visual tornou-se difícil na medida em que o que cabia à produção artística, nos séculos passados mudou completamente. Não se encomendam mais retratos pessoais ou esculturas comemorativas, não se solicita a decoração ambiental nem mobiliário ou utensílios aos artistas, isso cabe aos fotógrafos e designers. Ao Artista cabe o campo da expressão e das proposições estéticas e conceituais, é isso que o momento possibilita.

Consequentemente o campo de prestação de serviços em Arte Visual praticamente desapareceu e com isso também a profissionalização do Artista. Isso não quer dizer que os Artistas não tenham mais como sobreviver, apenas que os campos em que tais serviços eram prestados mudaram, hoje se encontram nas tecnologias digitais, audiovisuais ou nas redes sociais, em instituições e, ainda, no Ensino.

Bem, isso posto, volto à questão inicial: Por que fazer Arte?

A primeira resposta que me vem à mente é justificada pelo que disse anteriormente: quem escolhe trabalhar com Arte tem motivações de ordem pessoal mais importantes do que outras, ou seja, não foi a possibilidade da fama ou do enriquecimento que as motivou. Tais motivações são, em grande parte, definidas pelo valor simbólico que se atribui à Arte e não pelo valor econômico. Muitas pessoas fazem Arte simplesmente porque se identificam com ela ou com seus projetos, percursos, pressupostos e possibilidades mesmo que tenham que sustentá-la.


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Pama Loiola, "Ciranda", 2017.

Algumas pessoas conseguem manter essa produção de forma autosustentável, seja por meio de sua inserção no circuito, no sistema e mercado de Arte ou por meio de subvenções vinculadas à projetos institucionais e/ou governamentais.
Outras, não conseguem ou não têm interesse pela inserção no sistema de Arte , tais pessoas, independente das dificuldades que tenham que enfrentar para fazer Arte, continuarão fazendo, inclusive desenvolvendo carreiras, atividades ou trabalhos paralelos para sustentar sua produção em Arte.

Me parece que é justamente esse segundo grupo de pessoas que tem crescido nos últimos anos, não estou falando de pessoas que se propõem a fazer Arte de modo amador, com aprendizagem informal realizadas em ateliers caseiros ou em lojas de produtos artísticos ou artesanais, mas de pessoas que desenvolvem sua formação em cursos vinculdados à instituições de Arte qualificadas ou de ensino superior em Universidades.

Como disse anteriormente esses cursos são longos, intensos e requerem persistência, logo, alguém que se submete a este contexto de aprendizagem provavelmente já acredita e defende a existência e sobrevivência da Arte na sociedade, logo, a respeita e a promove. 
Esses cursos implicam na dedicação de docentes e discentes, ambos são envolvidos num processo pedagógico que requer o desenvolvimento de três modalidades de conhecimento: cognitivos, psicomotores e afetivos.

O campo cognitivo é o do pensamento, composto da memorização, raciocínio, análise e crítica; o psicomotor, quando se trata de fazeres manuais, depende da habilidade das mãos, do corpo tornando-o capaz de realizar atividades pragmáticas como a manipulação de instrumentos, meios, ferramentas e materiais que constituirão as Obras de Arte, independente de serem ou não materializadas em objetos e coisas; por fim, o domínio afetivo se refere aos valores atribuídos simbólica, psicológica e conceitualmente à Arte e o respeito que se dá a ela. Acredito que seja justamente o fator afetivo um dos principais motivos pelos quais a Arte surge e se mantém em todas as culturas humanas ao longo dos séculos.

Deste modo, acredito que a produção artística contagie, contamine, convoque as pessoas ao diálogo, à reflexão, à análise de tal modo que seja possivel adquirir conhecimentos que, de outro modo, nunca seriam encontrados. Não são apenas os conhecimentos chamados úteis, práticos ou mercantilizáveis que importam à humanidade, mas também aqueles que operam no campo estésico do simples apreciar. Aprender por meio das formas, dos gestos, dos materiais, das cores, texturas e configurações de que tipo for, independente de se parecerem ou não com coisas do munto ou da mente é o que a Arte nos propõe.

Pama Loiola, "Lúcido e Translúcido, 2017. Papel archer, parafina e acetato
Pama Loiola, "Lúcido e Translúcido, 2017. Papel archer, parafina e acetato
Assim, todos os que praticam, estudam, admiram a Arte como os Artistas, Professores, Professor-artista ou Artista-professor, os estudantes e futuros profissionais são os responsáveis por esse campo de conhecimento. O Fazer e o Ensino são os dois lados da mesma moeda: um não existe sem o o outro e, a sociedade não pode prescindir da Arte como uma de suas vertentes culturais.

Agradeço a Pama Loiola o uso das imagens de suas obras e a todos que se dispuseram a dedicar um tempo de seu dia para a leitura desse texto, peço-lhes que o repliquem: conhecimento é prá compartilhar...

REFLEXÕES - Arte para que?

Esta foi a pergunta que a historiadora e crítica Aracy Amaral lançou em 1987 em seu livro "Arte para que?. A Preocupação social na Arte Brasileira 1930 - 1970". Em seu trabalho discute as questões da implantação e consolidação do Modernismo na Arte no Brasil e suas relações com o contexto social.
Independente do recorte que a autora fez para colocar as questões da Arte num dado lugar e num certo período de tempo sabe-se que a Arte sempre esteve presente no contexto humano: fez parte de pequenos grupamentos, núcleo sociais ou grandes civilizações e, até hoje (queiram ou não), age e interage com a sociedade.

Volto a essa pergunta tomando-a sob um outro viés: o do Ensino. Como sabem atuo como docente de carreira na Área de Arte Visual desde a década de 70 do século passado. De 1976 até hoje estive vinculado ao ensino superior em instituições públicas. Foi a carreira que escolhi e a percorro com dedicação e respeito.
Passados estes anos todos, continuo me fazendo essa mesma pergunta, mas sob a ótica do ensino há, pelo menos, dois lados a considerar: o do professor e o do estudante.

O lado do professor, a meu ver, é o lugar dedicado à formação de indivíduos que possam adquirir e replicar os conhecimentos desse campo no contexto social. Nosso material de trabalbo é o Conhecimento sobre e em Arte Visual. Esse Conhecimento foi e está sendo construído ao longo dos séculos pela humanidade e persiste como um campo imprescindível do desenvolvimento social e cultural de todos os povos, independente de nações, ideologias, credos e etnias.

A construção desse conhecimento mobilizou desde os seres pré-históricos passando pela antiguidade, idade média, moderna e contemporânea mobilizando o pensamento de filósofos, historiadores e produtores. Independente do estágio cultural em que uma comunidade ou nação estivesse, a Arte estava presente e dialogava com essas pessoas e com seu tempo, por isso ela é tão diversa. O que encanta o lado do professor é justamente esse universo de criação, tendências, aparências, formas e proposições que desafiam a cada momento uma nova leitura, uma nova abordagem e estimula a pesquisa e a ampliação desse conhecimento.

Assim os constructos que mobilizam o fazer da Arte também influenciaram o seu ensino já que os conteúdos selecionados para os projetos pedagógicos dos cursos são decorrentes e obtidos da produção realizada pela humanidade. Pode-se dizer que, originariamente, as manifestações artísticas tinham um componente espontâneo e simbólico, natural e livre mas, aos poucos, adotou posturas mais dirigidas ou mesmo ordenadas em função do momento social ou da civilização na qual existia. Ora mimética, imitativa, figural, ora abstrata, informal, inexplicável ou desafiadora se manteve como um traço cultural importante.

Isto posto é fácil entender por que tantas pessoas se interessam e se dedicam ao campo da Arte e seu Ensino. Contudo, por outro lado, as razões dos estudantes talvez sejam menos perceptíveis, mesmo para eles, nesse sentido é que me dispus a escrever sobre isso.

A primeira questão que me vem à mente é: Por que alguém escolhe um curso de Arte Visual?
Imagino o susto que uma família convencional tenha ao ser comunicada por um adolescente que irá fazer um curso de Arte. É fácil entender esse susto pois a sociedade previlegia o interesse por cursos mais previsíveis e que tenham maior chance de inserção no mercado, em oposição àqueles que são acometidos pelo que chamo de "Síndrome da Indigência" como os que se encontram nas áreas menos previlegiadas pelo mercado como as chamadas humanidades e cultura consideradas menos ou completamente "desnecessárias" à sociedade.

Me parece que a motivação recorrente para a escolha de um curso na área de Arte Visual é de alguém que tem certas habilidades para a criação artística. Pessoas que desenvolvem, em geral e por conta própria, habilidades para a construção de imagens e isso as leva a fazerem esta opção (este foi o meu caso). É possível admitir que se encontram nessa mesma situação as pessoas que no ensino fundamental e médio sentiram interesse pela área a partir de disciplinas ou de professores que conseguiram, apesar de tudo, estimulá-los a buscar essa área de conhecimento para sua formação.

Na área da visualidade como da Arte Visual, se encontram áreas mais pragmáticas, antes chamadas de "Artes Aplicadas", como a de arquitetura e design com suas vertentes em produto, gráfico, moda e web; assim como atualmente a de audiovisual, elas também sofrem da mesma dificuldade de estímulo e escolha. Embora pareçam mais promissoras com relação à expectativa de absorção pelo mercado, também são vítimas dessa "Síndrome da Indigência".

Sabe-se que os cursos nessas áreas são exigentes quanto a investimentos intelectuais e materiais que, nem sempre, retornam com facilidade. Duram de três a cinco anos, sem contar com pós-graduação seja especialização, mestrado ou doutorado que acrescentam de uma a quatro anos, caso a opção seja pela carreira acadêmica ou por maior qualificação profissional. Depois a busca pelo mercado que implica em disputa de currículos, portfólios e concursos.

Pode-se ponderar que esta trajetória não é diferente de outras áreas de formação superior e que todos aqueles que se formam estão sujeitos a estes mesmos processos e percursos, no entanto, os cursos que se alinham ao liberalismo de mercado são entendidos como úteis e necessário ao desenvolvimento, crescimento e enriquecimento econômico das nações, ao contrário daqueles que se aprofundam no conhecimento e na construção de uma identidade cultural e social são considerados como irrelevantes. Justamente por isso, não há consciência social sobre a importância da Arte Visual, tampouco o reconhecimento de que é uma área de Conhecimento e, como tal, deve ser respeitada. Além disso há uma espécie de consenso de que qualquer um é capaz de se tornar artista e de exercer qualquer atividade nessa área por mero capricho.

A visão de que é uma área "autodidata", ou seja, basta praticar alguma técnica artística que dá certo, é comum vermos ex-jogadores, ex-empresários, ex-médicos, ex-socialites, ex-tudo, num dado momento de seu trajeto adotarem algum recurso como a pintura, o desenho, a fotografia como meio de entretenimento e se auto-entitularem artistas e pior, usarem seu acervo de relacionamentos e capacidade financeira para alavancarem mostras e eventos de fazer inveja às melhores galerias do ramo. Esse comportamento é reforçado pela ideia corrente de que a Arte Visual é destinada, em sua maioria, à decoração ambiental, o Belo conceitual é convertido em beleza barata e se alguém é capaz de fazer algo agradável, com um mínimo de técnica e que combine com o lugar, pode ser considerado artista. Muitas galerias comerciais se dedicam exclusivamente a obras decorativas, assim, a ideia corrente é que Arte Visual é decoração persiste e insiste.

As questões aqui apontadas estão postas na sociedade tanto as positivas quanto as negativas. Quero deixar claro que não condeno quaisquer manifestações de caráter artístico ou pretenso-artístico que exista ou surja na sociedade, defendo que a área de formação em Arte é tão relevante e importante como todas as outras que fundam a sociedade e o ambiente cultural em que se vive. A visão elitista de que há manifestações artísticas melhores ou mais inportantes que outras é mera estratégia de apagamento de sua função social antropológica. O modo de fazer Arte que surge a partir do Renascimento foi consolidado pela burguesia dominante até o século XIX e se tornou um projeto hegemônico contra o qual era difícil se opor. O advento do Modernismo desafia esse projeto e investe na experimentação, inventividade e nas proposições estéticas conceituais que, até hoje, são confrontados pelo status quo.

Um dos modos mais eficientes de forçar esse apagamento é o da desqualificação: o que não é agradavel, bonito, conformado ao gosto mediano e bem-comportado é simplesmente rechaçado ou ignorado. Outra estratégia é a de tratar tais manifestações como curiosidade, exagero, loucura, ou excentricidade de pessoas que, por não entenderem os valores convencionais, agem por impulso ou como contestadores inconformados e, por isso, são admitidos como anômalos, atípicos e sui generis sem, no entanto, serem aceitos de fato. Essa mesma estratégia se vale dessa suposta anomalia e super valoriza tais trabalhos e atitudes revestindo-as de proposições ultra modernas e lhes atribuem valores astronômicos convertendo-as em produtos de investimeto e especulação. Isso cria mais confusão ainda junto as pessoas comuns que não detêm conhecimento para melhor compreensão e discussão sobre e em Arte no contexto atual, assim não é muito fácil entender a vigência dessas manifestações, o que é ou não coerente ou condizente com a contemporaneidade.

Bem, aqui voltamos à questão do Ensino e à responsabilidade social da formação em Arte Visual.
Primeiramente é necessário destacar que a formação em Arte no país está vinculada, quase que exclusivamente, ao ambiente formal e regular de ensino. Do ensino fundamental e médio ao superior a responsabilidade pela formação em Arte é confiada a esses três estágios segundo as diretrizes nacionais de educação.

Nada impede a existência de meios alternativos de formação como estúdios, ateliês e instituições que queiram se dedicar a ela na inciativa privada, no entanto, dado às condições pouco favoráveis que revestem essa área, é difícil que o capital privado queira investir nela. Assim, a formação depende praticamente e só do sistema público de ensino.

É fato conhecido e vivenciado que o ensino fundamental e médio, embora tenham a reponsabilidade de iniciar a educação em arte e para a arte, pouco consegue fazer nesse sentido pela precariedade em que subsiste estenível de formação no país. Embora exista legislação para isso, nem sempre é respeitada justamente pela precarização imposta a esses níveis de ensino. Se você duvida disso, basta recorrer à sua memória e lembrar como foi sua experiência de aprendizado no contexto da Arte desde seus primeiros anos de escolarização...

Resta então falar à respeito do ensino superior. Nesse contexto de indigência cultural, social e econômica é possível dizer que o ensino superior, apesar dos pesares, ainda se revela como um lugar privilegiado. Obviamente, como já dito, as áreas de formação com maior expectativa de retorno para o mercado econômico e de serviços tem mais respeito e investimentos do que as demais. Mesmo assim é na Universidade que a Arte é respeitada como uma área de Conhecimento e, como tal, é a responsável pela desenvolvimento das pesquisas, investigações, ensino e sua mediação com a sociedade, especialmente no sistema público. É patente a quantidade de cursos superiores dedicada ao campo da Arte nas instituições públicas em relação à pequena quantidade nas instituições privadas.

As instituições públicas são responsáveis pela maioria dos cursos de formação graduada e pós-graduada nesta área e, como consequência, a maior produção científica e intelectual depende delas. Essa constatação leva também a um problema: como essa produção é acadêmica, atende e se destina, em sua maior parte, à própria academia, ou seja, boa parte dela fica confinada a este ambiente com pouca circulação no ambiente social. Esse é um dos fatores que leva à crítica corrente de que a Universidade se fecha sobre ela mesma. Embora esse raciocínio seja falacioso, mostra a propensão que o liberalismo econômico tem de valorizar as áreas "funcionais" em detrimento de áreas "intelectuais".

Independente disso é nesse meio que a formação graduada em Arte é realizada. No campo da Arte Visual, de acordo com as diretrizes educadionais da área, há duas linhas de formação: a Licenciatura e o Bacharelado. A Licenciatura se dedica à formação de profissionais dedicados ao Ensino, nesse caso, os professores de arte visual serão formados dentro de estruturas curriculares que visam sua preparação como docentes que atuarão, segundo a legislação em vigor, no ensino Fundamental e Médio, ou seja, desde a educação infantil até o colégio. O ensino superior, por mais incoerente que pareça, não requer licenciados, apenas graduados, obviamente pós-graduados. Os Bacharelados se dedicam à formação específica da área sem abordar as questões didático-pedagógicas requeridas pela Licenciatura, portanto, os bacharéis não poderão atual no ensino fundamental e médio por não serem licenciados para tanto, contudo poderão atuar no ensino superior desde que, como já dito, sejam pós-graduados. Nesse caso a formação se aprofunda no desenvolvimento dos aspectos conceituais e expressivos típicos da Arte Visual.

Resta então clarear quais são os campos de atuação dos Bacharéis.
Primeiramente cabe dizer que não há qualquer exigência de caráter legal, reserva de domínio profissional que garanta ou preveja a prioridade de um bacharel na atuação social como há, por exemplo, na área de saúde em que os profissionais devem ser formados e inscritos em conselhos regionais para poderem ter o direito de exercerem suas profissões. Isso acontece também em várias áreas: direito, engenharias, arquitetura, educação física, geologia etc., etc. Em Arte não. Há uma distorção congênita: embora a classificação de atividades do Ministério do Trabalho identifique áreas de atuação no campo da Arte Visual, isso não corresponde ao que se vê na sociedade, logo, os bacharéis competem entre si e também com as demais pessoas que se auto-denominam artistas ou gestores e atuam em ambientes que seriam, por princípio, deles. Não havendo consciência de classe não há respeito por ela. Isto leva muitos egressos dos cursos de Arte Visual a desenvolverem carreiras paralelas, ou seja, trabalham em áreas diferentes das de Arte com o fim de subsidiar sua produção artística.

Enfim, o que um Bacharel em Arte Visual pode fazer?
Pode ser um artista, essa é a mais óbvia constatação já que a preparação nessa área inclui conhecimetos de base cognitiva sobre Arte em geral, suas teorias, conceitos e estética como também as práxis em suas poéticas, é de se esperar que ele possa atuar como criador.
Pode seguir a carreira acadêmica como professor em instituições de ensino desde que se qualifique em nível de pós-graduação, na carreira de ensino superior o mínimo exigido pela legislação é o Mestrado no entanto, atualmente os concursos públicos exigem, no mínimo, o Doutorado para os candidatos, mesmo para início de carreira.
Pode ser um Gestor em Arte. O campo da Curadoria, por exemplo, ou seja, o que se ocupa em organizar, produzir e administrar mostras, eventos, as publicações no campo da Arte dependem de especialistas e conhecedores capazes de atuar em diálogo com a sociedade, seja em relação ao conhecimento ou ao mercado. Assim um campo de atuação por excelência em instituições públicas ou privadas é este.
Pode ser um pesquisador e atuar em instituições públicas ou privadas como institutos de Arte e Cultura como museus, por exemplo, no registro, produção documental, conservadoria e publicações sobre e em Arte.
Pode ser um profissional em convervação de patrimônio cultural atuando em museus e instituições destinadas a prevervação e conservação de ambientes e obras de Arte.
Pode atuar em instituições públicas ou privadas como galerias, museus, institutos na assessoria, acompanhamento ou produção de eventos em arte e cultura.
Pode atuar como conselheiro, consultor ou assessor para colecionadores e investidores em Arte.
Pode atuar em empresas de produção visual como consultor, assessor ou produtor visual para edições literárias, informativas, digitais ou publicitárias em diretorias artísticas e de produção.
Pode ser produtor de conteúdo para ensino, conhecimento sobre arte em suportes físicos ou ambientes virtuais.

A Arte serve sim, para muitas coisas, inclusive para nos manter mais sensíveis, respeitosos e mais humanos...

REFLEXÕES - A arte de... Comer com os olhos...


A imagem que abre esse texto não é uma fotografia e sim uma pintura do artista holandês Tjalf Sparnaay, um simples ovo frito em toda sua glória...

A alimentação é uma necessidade. Os primeiros grupamentos humanos dispendiam a maior parte do seu dia em busca da comida. Até hoje, grupos humanos isolados da dita "civilização" ainda dedicam boa parte de suas atividades à busca, coleta, caça, plantio e processamento de alimentos com o fim de suprir suas necessidades e também armazená-los. Enfim, comer é essencial para continuar vivo.
A relação com os alimentos se iniciou por pura necessidade, contudo, ao longo do tempo, se transformou também num maiores prazeres humanos.

A ideia do alimento como base da subsistência, aos poucos, foi dando espaço para o culto do alimento como uma referência à dádiva da natureza, intermediada pelos deuses, depois uma propriedade e distinção concedida pelo poder e por fim um gênero da arte.

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Imagem egipcia que mostra o faraó, sua esposa, alimentos e a fartura da pesca, da colheita e o processamento de alimentos.
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Afresco e mosaico do império romano mostrando alimentos.

Na Arte um dos gêneros que trata do universo culinário é o da Natureza Morta, no qual a relação com os alimentos é abordada como tema incluindo-os no cotidiano nos refeitórios e salas ornamentando os ambientes. As Naturezas Mortas mostravam alimentos in natura, como frutas, verduras e produtos da caça. Mostravam também alimentos processados, especialmente os da charcuteria, destinada à conservação de carnes.

A tradição pictórica do século XVII se esmerou nesse conhecimento, é só lembrar as imagens de Jan David de Heen e de Juan Sanches-Cotan, dois dos representantes mais eficientes desse gênero.








Atualmente Tjalf Sparnaay mantém essa tradição numa versão renovada do Hiperrealismo, reminiscência talvez das décadas de setenta e oitenta do século passado, chamando de megarrealismo, um neologismo criado para explicar sua postura. Embora o tempo tenha passado, ele ainda se dispõe a rever o gênero e ressignificar o processo sem se afastar dessa tradição pictórica.





O que encanta em seus trabalhos, é justamente a habilidade de enganar o olho, o antigo Tromp Le Oeil, tão caro aos artistas barrocos que ele traz de volta numa roupagem mais atual, falando da comida do dia a dia contemporâneo, onde os hambúrgueres, batatas fritas e pratos executivos são a estrela da festa. Seus trabalhos nos aproximam, digo melhor, estimulam nosso paladar com obras dignas de uma bela mordida...











Em termos nacionais, para falar apenas de um artista, vamos recuperar as obras de Antonio Henrique do Amaral que, na década de 70 passada, olhou para o Hiperrealismo e concebeu a série “Campos de Batalha”, nos quais elementos culinários como pratos, garfos, facas, bananas e cordas encenavam, simbolicamente, um confronto agressivo entre estes elementos nos quais as cordas, os garfos e facas levavam a melhor... Referência à repressão, à violência daqueles dias?... Talvez, mas marcaram época...














O encantamento do olhar costuma acompanhar o fazer culinário, tanto as elaborações dos chefs quanto a documentação visual de seus trabalhos são dignas de figurarem numa coleção artística. Quem nunca se encantou com um “sushi composê” ? A culinária japonesa é um bom exemplo dos arranjos visuais à mesa, ela sempre primou pelo visual: antes de encantar o paladar, encanta primeiro o olhar...








Mas, para que tenhamos este prazer, que começa pelo olhar e termina pelo degustar, precisamos ter estas obras culinárias ao alcance da mão, entretanto, se não tivermos essa plena felicidade podemos, pelo menos, apreciá-las, dedicando-lhes um longo olhar e, para isto, contamos com a fotografia.

A fotografia, nos últimos anos, tem sido a intermediária, a mediadora entre o olhar e o paladar, cumprindo esta missão com dedicação e esmero digno de um gourmet.

Dito isto, vamos destacar também alguns autores que tomam os alimentos de um modo diferente dos chefs, eles os manipulam para criar obras de arte visual e não para elaborar alimentos.

Cortar e fatiar alimentos para o consumo é comum, no entanto, fazer isso para tê-los com temas para fotografia não é tão comum assim. É o que propõe o fotógrafo turco Sakir Gökçebag:











Fotografar frutas e alimentos envolvidas pela ação de minihumanos é algo inusitado, mas é isso que faz o fotógrafo americano Christopher Boffoli:





A fotógrafa americana Sandy Skoglund trabalha com diferentes temas, inclusive texturas de alimentos combinando figuras e fundos com inspiração geométrica ou orgânica:











O videomaker e fotógrafo francês Alexandre Dubosc realiza imagens usando alimentos em circunstâncias inusitadas e criativas:











Diretamente de Seul, a designer de moda Sung Yeonju utiliza alimentos para criar peças de vestuário no mínimo saborosas... com um visual incrível, mas pouco práticas...











O fotógrafo inglês Carl Warner usa comida para criar paisagens bucólicas e deliciosas, na acepção direta da palavra...








Na atualidade o numero de publicações gastronômicas, programas de vídeo e a publicidade em larga escala de restaurantes, turismo e da própria culinária, tem sido responsável pelo contínuo apelo visual, um eficiente convite ao olhar, que nos estimula para o degustar, aguçando o nosso paladar feito a campainha de Skinner... O olhar estimula a salivação, o prazer da boa comida antecipado-a pelo requinte da imagem. O universo da fotografia gastronômica ou culinária vem se ampliando se antes, era tomada como uma simples ilustração, hoje num livro de culinária que se preze tanto o chef quanto o fotógrafo assinam as criações. Como as coisas mudaram não é?





Outro segmento profissional que se revelou nesse contexto da imagem-arte-comida foi o do Food Stilist, ou seja o estilista de alimento, é aquele que auxilia o fotógrafo ou mesmo os donos de restaurantes, bufês a organizar o visual de seus produtos para ficarem bem na foto.

Jaime Reyes é um destes profissionais que faz mais prazerosa a comida, tornando-a visualmente mais apetitosa.








Brian Preston-Campbell é outro food stilist que cuida dos pratos para serem fotografados.









Para não ficar atrás, vamos mostrar também o trabalho de um brasileiro, Paulinho de Jesus, um dos fotógrafos que opera no contexto do Photo Food com excelente performance...





A fotografia na culinária constitui atualmente um capítulo à parte na editoração fotográfica impressa ou digital na atualidade, a Photo Still, originária do Still Life ou simplesmente, Natureza Morta, além de um domínio técnico específico, é um campo de criação e expressão rico e em franca expansão, um diálogo com a Arte Visual, logo, "comer com os olhos" tornou-se uma realidade... Deliciosa...

Degustem e compartilhem, agradeço.

POÉTICA PROPOSITIVA – O caso do EX-LIBRIS



Ex Libris é o termo latino que significa livros de posse ou propriedade de alguém ou de algum lugar como bibliotecas ou coleções. Esta indicação era normalmente posta em contracapas ou folhas de rosto por meio de marcas construídas especialmente para isto no formato de selos ou carimbos. A marca exposta ao lado foi construída com abreviatura sonora de meu nome Isaac = IZQ para identificar este projeto. A proposição estética EX LIBRIS é autoral e se enquadra no campo dos Livros de Artista.

O que é um Livro de Artista? No contexto da Arte, é reconhecido como poética expressiva a partir da década de cinquenta e se torna comum ao longo do século XX, especialmente no contexto da pós-Modernidade. Esta estratégia expressiva pode se caracterizar de várias maneiras: tanto pela manutenção da estrutura do livro, por meio da apropriação de volumes e transformando-os em novas obras chamando-os de Livros-objeto como também por construções que podem ou não assumir a aparência de um livro.

Esta proposição se dedica ao desenvolvimento de investigações estéticas que tomam o livro como um tema ou como base estrutural da criação artística. É uma concepção de caráter conceitual que evoca a tradição que o Livro representa no contexto cultural e social desde suas primeiras manifestações históricas. No caso da Arte, mesmo que destituídos de sua escrita ou de sua forma original, ainda preservam sua autonomia de objeto de sentido e significação. 
Neste caso me apropriei de alguns volumes, originariamente publicados como romances de José de Alencar, pela Cia Melhoramentos, de São Paulo, na década de 1950. Ocultei as referências editoriais mas mantive sua aparência original e desintegrei as estruturas dos volumes reconstruído-os em novas proposições.


Ao destituir os livros de seu contexto literário por meio de reoperações conceituais e formais como intervenções e transformações plástico-visuais, pode-se dizer que os ressignificamos e damos a eles  novas potencialidades expressivas e estéticas, um novo sentido e, a partir dai, assumem sua estética autoral sendo transformados em Obras de Arte sem perder, contudo, sua origem literal...
Os trabalhos que realizei neste perfil, recorrem tanto à estrutura original de livros apropriados para transformação quanto a construção inteira de um ou mais volumes.

Essa série é composta por quatro volumes, conforme os apresento aqui:

Um deles chamei de "O livro dos Segredos". Suas páginas são "congeladas", ou seja, foram fixadas de tal modo que é impossível serem abertas. Antes disso, fiz uma inserção em sua estrutura "paginal". Recortei uma área retangular, inseri no fundo um espelho e diante dele uma chave e sobre ela, fixo na capa, uma lâmina de vidro. A chave pode ser vista mas não acessada. Supostamente, a chave abriria o livro e revelaria os segredos que contém. Como é impossível pegar a chave, o segredo é mantido ad eternum...


O Livro dos Segredos.

Outro desses volumes foi chamado de "O livro das Transparências".


O Livro das Transparências.
Este volume tem seu conteúdo escrito retirando. Seu interior é revestindo com papel branco e entre as duas contraguardas é incorporada uma estrutura de acetato que, embora mantenha o formato original de livro, o destitui da função da leitura transformando-o num volume transparente. Com isto é possível transpassar o olhar de um lado para outro revelando seu interior vazio cujo efeito imediato é o de inexistência convocando o leitor a preencher o vazio imaginando suas próprias histórias.

O terceiro volume é batizado de "O livro dos Apagamentos".


O Livro dos Apagamentos.

Nesse caso, o livro foi completamente desmontado e suas páginas foram pintadas/manchadas de negro e depois remontado. Todo texto verbal desapareceu sob a tinta e o que restou foram as páginas ilegíveis, mas presentes. Nesse caso, nem a memória sobrou... Tudo foi esquecido, apagado...

O quarto volume dessa série se chama "O Livro das Reescrituras" ou de "Rorcharch".


O Livro das Reescrituras.
O Livro das Reescrituras.
O livro foi também desmontato, suas páginas reescritas e depois remontado. Entretanto, essa reescritura não foi feita por meio de palavras, mas de imagens. A intervenção pictória ou gráfica, promoveu o desaparecimento do texto verbal. Parte das intervenções foram realizadas tomando por referência a Kleksographien,  procedimentos usuais no século XIX para inventar imagens, tais processos foram adotados mais tarde pelo médico suíco Hermann Rorcharch como processo de análise terapêutica em Psicologia Comportamental. Nesse caso as páginas são recriadas segundo tais possibilidades. Ora mostram manchas simétricas, ora evocam figuras, ora nada... 

Enfim em Arte nada se perde e tudo se cria!

Curtam e compartilhem, agradeço.