REFLEXÕES - A Banana e a Arte: uma relação escorregadia...

Banana é Arte? Ou uma banana para a Arte?

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Maurizio Cattelan, artista italiano contemporâneo, apresentou uma Obra de Arte na última Art Basel Miami, agora em 2019, que foi vendida por U$ 120.000,00, em nosso pobre dinheiro, aproximadamente R$500.000,00. Esta é uma notícia que, com certeza, causa estranhamento em muitas pessoas, até em nós que estamos habituados aos percursos inusitados da Arte na contemporaneidade.

A obra, sugestivamente chamada de "Comediante", foi apresentada pela galeria Perrotin, de Paris, que representa o artista. Segundo o proprietário da galeria, há três edições da obra, das quais duas já foram vendidas. Cada uma delas é constituída de: Uma Banana, (ao que me parece Nanica), fixada na parede com uma faixa de fita adesiva prata (posso dizer que a fita é realmente eficiente, já a usei algumas vezes e sei de esqueitistas que a usam para reformar seus tênis esfolados, bem como de outras pessoas que recorrem a ela para fixar as mais diversas coisas com segurança), desculpem-me a ironia, mas não resisti.

Voltando ao assunto e falando sério, temos que observar o contexto, ou seja, como algo como uma banana, se torna Obra de Arte. Primeiro é necessário entender que: a Obra de Arte não é a banana!
Falando assim, parece que ao contrário de esclarecer estou complicando a coisa, mas é isso mesmo.
Quando Marcel Duchamp, o pai de todos esses artistas que se apropriam de coisas e objetos do cotidiano e, por atribuição, os colocam no contexto da Arte, se apropriou de um mictório masculino, o colocou em situação expositiva num evento de Arte e o batizou de "A Fonte", estabeleceu o procedimento apropriativo que chamou de Ready Made, ou já pronto. Um de seus comportamentos criativos era se apropriar de objetos encontrados (objet trouvé) e atribuir-lhes o estatuto ou a dimensão de arte inserindo-os no ambiente ou circuito de Arte.


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Marcel Duchamp, "Fontain", 1917.
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Marcel Duchamp, "Garrafeiro", 1914.Uma estrutura de metal usada originariamente para secar garrafas.

Nesse sentido, vale a pena refletir sobre as atitudes de Cattelan observando algumas de suas obras, assim podemos avaliar melhor a situação da Banana:

Maurizio Cattelan, "La Nona Ora", 2016, Papa Paulo VI atingido por um meteorito.
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Maurizio Cattelan, "L.O.V.E." (acrônimo de liberdade, ódio, vingança e eternidade), 2010. Escultura exposta defronte a bolsa de valores de Milão 
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Maurizio Cattelan, "América", 2016. Peça realizada em ouro 18k. avaliada em cinco milhões de dólares. Foi mostrada pela primeira vez no museu Guggenheim de Nova York. Estava expostas no Palácio de Blenheim, de onde foi roubada dois dias após a abertura da mostra o que provocou o alagamento do ambiente expositivo pois, a peça era instalada para cumprir sua função original e estava disponível para os visitantes. Até hoje nem a obra tampouco os autores do roubo foram encontrados...

Olhando para estas peças também é possível dizer que não são elas propriamente que se tornam Obras de Arte, mas a proposição que as institui ou leva o espectador a apreciá-las no contexto da Arte justamente por terem sido lá colocadas por alguém. Esse alguém no caso foi Duchamp que ironizou e escarneceu o Sistema de Arte vigente no seu tempo, como ainda hoje fazem muitos artistas, é o caso de Catellan, um dos que usam o senso de humor, a sátira e o non-sense para realizar suas obras. Nessa linha de raciocínio, o estranhamento é um comportamento previsto e esperado em relação a este tipo de obra.

Enfim, acredito que agora seja possível esclarecer melhor o caso da "Banana Cattelana". As proposições de Cattelan são irônicas, polêmicas e desafiam tanto o senso comum quanto a lógica dominante do mercado de Arte e da sociedade, assim, não é de estranhar que "desse uma Banana" para o mercado de Arte, especialmente numa mostra do tipo da Art Basel, que se tornou um dos modelos mais emblemáticos nos dias atuais: as grandes feiras de arte. O irônico é que o establishment revidou e adquiriu a obra provando, mais uma vez, que a grana sempre vence.

Cabe esclarecer ainda que esse tipo de obra não é adquirida em sua forma original, ou seja: de uma banana colada com fita numa parede, a questão mais banal é que a banana irá apodrecer em poucos dias, nesse sentido talvez não valha a pena gastar milhares de dólares numa banana que pode ser adquirida por alguns centavos em qualquer mercado. Então, a pergunta que não quer calar é: Porquê, porquê?

Bem, as obras de caráter propositivo ou instalações normalmente são acompanhadas de instruções detalhadas para sua instalação. Assim, mesmo que uma dessas obras seja "impermanente", transitória, o autor autoriza o adquirente a realizar instalações da mesma quando lhe aprouver, replicando-a com novos materiais se for o caso, logo, o que se compra não é a obra mas sim o direito à sua posse e apresentação. Ou seja é um Titulo de Propriedade ou de Ação ao Portador em que se aposta na valorização do papel como qualquer outro investimento. 
Quanto mais famoso, celebrado, conhecido for o autor, maior será a possibilidade de que os milhares de dólares aplicados nesse momento, se tornem milhões no futuro... 
Enfim, fico pensando se os bananas não somos nós...

Espero ter desembananado a questão, agradeço a leitura e o compartilhamento, obrigado. 

REFLEXÕES - Arte Visual e Culinária: uma dupla imbatível...

Culinária é arte! Já ouvimos essa afirmação tantas vezes que acabamos aceitando isso como uma verdade e nem pensamos a respeito. Será que fazer comida é o mesmo que fazer Arte?
Eu me coloco como professor/artista e como culinarista nas horas vagas... e posso dizer que uma coisa não é a outra, ou seja Arte é Arte e Culinária é Culinária. Embora seja possível discutir esta afirmação no contexto da estética não vou caminhar por ai nesse momento, a preocupação desse texto é olhar para os dois universos de um modo mais prazeroso.
Já vimos que a relação entre Arte e Culinária surgiu praticamente com o ser humano, pela necessidade e pelo prazer.

Vários artistas, ao longo do tempo, tomaram por tema os alimentos, a culinária ou o lugar das refeições. A célebre “Santa Ceia” de Leonardo Da Vinci é, sem dúvida nenhuma, um bom exemplo disso. Inclusive porque foi pintada no refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie, por volta de 1495. Falar da última reunião de Cristo com seus discípulos, em torno de uma mesa, onde o alimento passa a ser sinônimo de fé e de comunhão tem um peso simbólico muito grande, quando o alimento do corpo é metaforizado como o alimento da alma.








Desde os primeiros tempos, na antiguidade, por exemplo, temos manifestações que revelam a presença do alimento ou da culinária e se tornaram parte do mundo da arte. Nos murais egípcios vamos encontrar obras nas quais o alimento está presente, seja como processo ou cultivo, fonte de domínio, poder e conhecimento, já que para manter um reino daquelas proporções, era essencial manter a produção de alimentos também em grandes proporções, logo era essencial preservar técnicas de plantio e processos de fabricação, as pinturas e afrescos serviam para isso.



Colheita e fazendo vinho, preparando assados e realizando a pesca, imagens de túmulos da 12ª. Dinastia egípcia.



Cozinheiro fazendo pão, afresco no Museu do Louvre, cred: Peter Barritt, super stock

Na Itália dos imperadores, o que restou dos afrescos nas “Villas” em Pompeia, mostram isso, neste caso, tais imagens cumprem mais a função decorativa do que informativa.



Natureza-morta - Fresco de Pompeia, c. 70 d.C



Mosaico oriundo da Villa Tor Marancia, no Museu do Vaticano

No Renascimento, no norte europeu, artistas como Pieter Bruegel e Hieronimus Bosch fazem referências à culinária do dia a dia em suas obras.



Pieter Bruegel, o velho, fala da festança de um casamento camponês em 1567.


Hierionimus Bosch, fala do pecado da gula em um detalhe de seu retábulo: Os sete pecados capitais, de 1500-25, parte do acervo do Museu do Prado. Cujo detalhe descreve os males da Gula.





A recorrência aos alimentos na arte é tão grande que a tradição acabou por criar um gênero de manifestação artística chamado de “Natureza Morta”, Still Life em inglês ou Bodegon, em espanhol. Este tema aborda, na maioria das vezes, peças de caça e pesca, frutas, legumes, embutidos, utensílios culinários, arranjos de mesas e muitos ingredientes capazes de fazer inveja aos chefs de hoje em dia, tamanha a diversidade dos produtos mostrados.

No período Barroco, podemos destacar dois artistas cujas obras são marcos da virtuose pictórica nesse contexto: Jan David De Heen, holandês e Juan Sanches-Cotan, espanhol. Ambos deixaram obras que elevaram o gênero da Natureza Morta à distinção absoluta. Em suas obras nada fica a dever, nem mesmo, à moderna fotografia, tamanha é a habilidade destes artistas e seu esmero técnico.

Jan David de Heen:






Juan Sanches-Cotan:





Neste mesmo período não podemos esquecer também a presença de Diego Velázques, na célebre obra “ Mulher frigindo ovos”, como também os nomes de Willem Claesz, e Peter Claesz. É claro que muitos outros artistas da mesma época mereceriam destaque, mas faltaria espaço para todos eles.











Na passagem do século XIX para o século XX, há um período, chamado Modernidade, no qual se instauram a liberdade de expressão, a experimentação e a criatividade que se tornam as principais metas dos artistas, mesmo assim a temática culinária se manteve forte e em alta. Encontramos bons exemplos disso nas obras de artistas como Van Gogh, Matisse, Cezanne, Braque, Picasso, Morandi e Dali, apenas para citar uns poucos.


Van Gogh:



Matisse:



Cezanne:



Braque:



Picasso:



Morandi:



Salvador Dali publica um livro de culinária, em que orienta as receitas e projeta sua aparência. A edição, concebida e ilustrada por ele se chama “Les diners de Gala” ou "Os jantares de Gala". Gala nesse caso é o nome de sua esposa, homenageada por ele no livro publicado em 1973, também chamado de Dali cook book.




















Tomando a arte mais recente, na década de sessenta do século passado, vamos encontrar representantes da arte Pop, como Claes Oldemburg com seus Hamburgueres de plástico e Andy Wharol, com a famosa Sopa Campbell´s numa referência explícita à cozinha no seu cotidiano.


Claes Oldemburg:



Andy Wahrol:Limões e Sopa Campbell´s, talvez uma referência à natureza-morta industrializada...






No ambiente conceitual, podemos lembrar Marcel Broodthaers, com sua Caçarola de mexilhões fechados, de 1966.





Olhando para o contexto nacional podemos destacar Vik Muniz, que se apropria de ingredientes, como o açúcar e os doces como geléia e doce de leite ou de alimentos como feijão e o macarrão para construir suas obras inusitadas.













Entretanto, se eu fosse escolher um artista entre muitos, destacaria um dos que chama a atenção pela sua inventividade e, principalmente, por estar adiante de seu tempo, antecipar a arte moderna, com o surrealismo e a arte conceitual: Giuseppe Arcimboldo, um artista italiano do século XVI, 1527-1593, que passou a maior parte de sua vida a serviço dos imperadores da Boêmia, Fernando I, Maximiliano II e Rodolfo II, em Praga. O interessante em Arcimboldo é que ele se afasta das naturezas mortas enquanto gênero, mas mantêm o referencial constitutivo delas nos seus retratos sui generis. Por meio de artifícios visuais e perceptivos cria a ilusão de que os retratos se originam de vegetais e outros elementos naturais agrupados ou aglutinados. Muito criativo e maravilhoso.Um bom exemplo disso é o retrato de Rodolfo II, Vertumnus, feito em 1561, como se o rei fosse um aglutinado de vegetais, frutas e legumes. Embora recorra à essência da natureza morta, mantêm-se no contexto do gênero pictórico do retrato.




Dentre várias de suas obras, destacamos algumas que fazem referência direta ao contexto da alimentação como é o caso do Hortelão, curiosamente a visão do quadro pode ser feita de duas maneiras: numa posição é um recipiente de legumes, na posição inversa, de cabeça para baixo, é o próprio hortelão, 1590.






O Assador, 1570, mostra a figura do cozinheiro retratada como se fosse constituída por peças de assados.



O Jurista, duas versões uma de 1566 e outra de 1569. Mostra um sujeito construído por meio de alimentos, talvez pelas preferências gastronômicas de um de seus conhecidos na corte...




Dos elementos da natureza, destacamos a água, cuja imagem é composta por peixes e demais frutos do mar, 1566





Enfim, parafraseando um dito popular, podemos dizer: Nem só de pão vive o homem... é preciso verduras, legumes, carnes e temperos...
Brincadeira à parte, falar de arte e culinária é prazeroso, tanto quanto degustar um bom prato.

Degustem, curtam e compartilhem, agradeço.

ANATOMIA: EM BUSCA DO CORPO OU DA ARTE?



Anatomia, do grego, significa estudo das partes, normalmente aplicado à anatomia humana, mas o que interessa nesse texto é sua relação com a Arte. A anatomia humana sempre foi uma questão presente na desde seus primeiros momentos da criação artística e definiu boa parte do percurso de suas imagens. Reproduzir a aparência das coisas foi, para a Arte Visual, um ponto de apoio importante para o processo de criação, desenvolvimento, comunicação e informação que se consolidou na História da Arte até, praticamente, o Modernismo. Talvez tenha sido por isso que a anatomia, chamada algumas vezes de anatomia artística, foi um dos tópicos mais importantes para a construção da aparência humana racionalizada.


Em alguns momentos da história, mostrar uma imagem que se parecesse com a realidade fazia sentido para os seres humanos e isto se tornou, por muito tempo, uma questão de suma importância para a arte e para a sociedade. Representar o visível parece ser um modo de apropriar-se dele, apreender, possuir, conquistar algo que, embora ocupasse o mesmo lugar, território ou campo visual, seria difícil ou mesmo impossível obter, ter ou manter. Assim a representação entra em cena: num primeiro momento no lugar de alguma coisa ausente, depois como um modo de tornar presente uma ideia, uma forma, uma impressão.


Representar pode ser um modo de evocar, referenciar-se àquilo que não está presente no discurso, mas que é necessário para que o conhecimento ou o argumento se consolide, logo, representações mentais, conceituais e visuais são modos de construir significados ou apresentá-los e difundi-los. Neste sentido, ater-se à forma, à aparência das coisas é uma maneira de manter-se fiel à existência delas mesmas e trazê-las para o discurso de uma maneira convincente, logo, representar algo de maneira semelhante ao que se vê é um bom argumento e, ao mesmo tempo, uma estratégia discursiva eficiente.


Obviamente, nem sempre as imagens fizeram ou fazem justiça à natureza ou à realidade visual à qual pertencem, parecer-se com alguma coisa já é um modo de dizer o que se pretende com maior ou menor precisão sobre o assunto. Se olharmos para as manifestações artísticas da humanidade, vemos que os primeiros seres humanos criavam imagens com sentido mágico, simbólico, espiritual e não documental ou expressivo, portanto, não havia qualquer obrigação de fazer com que as imagens se parecessem com o que viam, apenas que se referissem a isso. Estas imagens podiam ou não se parecer com as coisas do mundo. A proximidade anatômica era mais uma decorrência da observação e do conhecimento sobre os animais com os quais convivia e dos quais dependia para viver do que resultado de estudos sistemáticos sobre eles.


Embora a representação da figura humana aparecesse em um ou outro momento, não era uma prioridade nos primeiros momentos fazer com que parecessem figuras do mundo natural, já que o que mais importava era a sobrevivência, assim elas não faziam referencias específicas à anatomia, eram estilizações antropomórficas, humanoides, mas pouco parecidas com os seres humanos, alguns exemplos podem ser destacados: as chamadas Vênus pré-históricas de diferentes locais e períodos podem dar uma ideia disso a chamada Vênus de Willendorf, descoberta em 1908 e a vênus de Hohle Fels descoberta em 2008, coincidentemente, 100 anos depois da primeira mostram modos de ver e reconstituir a forma humana:

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Vênus de Willendorf, Áustria, encontrada em 1908.

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Vênus de Hohle Fels, Alemanha, encontrada em 2008.
Embora nenhuma delas seja uma referência direta à anatomia humana era o que se propunha fazer naqueles períodos tão distantes da história. Há muitas outras representações figurais semelhantes que remetem às formas ou à "anatomia" feminina. São comumente entendidas como homenagem à mãe,  terra mãe ou aos cultos de fertilidade com vistas a garantir a sobrevivência da espécie ou, pelo menos, do grupo social. Podem se imagens de devoção ao feminino ou amuletos ou, ainda, para os mais afoitos, um objeto sexual.
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Na Antiguidade começam a surgir as manifestações que recorriam à anatomia humana. Contudo não buscavam reproduzir, necessariamente, a aparência humana mas estabelecer relações de proporção como se encontra na estrutura óssea, muscular e até mesmo fisionômica, nem sempre a aparência do modelo pode influir na construção da imagem. A estilização é substituída pela normatização, ou seja, ao invés de buscar a reprodução do visível, elaboram meios e convenções para representar a figura humana de modo racionalizado.

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Embora os Egípcios, por conta do desenvolvimento dos processos de mumificação, tivessem um bom conhecimento anatômico e mesmo da fisiologia, estes conhecimentos não são demonstrados nas representações de suas imagens. Elas eram orientadas por convenção e não pela aparência natural. Não quer dizer que não fizessem "Retratos", apenas que as representações utilizadas nos palácios, templos e túmulos, seguiam normas quanto às dimensões, formatos e cores em busca de uma hegemonia e constância representativa, uma espécie de pradrão, linguagem estável.


No período Arcaico grego já há pretensões de mostrar uma aproximação maior com o corpo humano, embora a estrutura anatômica seja, praticamente, intuitiva e também padronizada. Representação de jovens como Kouros e Kores, como são nomeados estas figuras, são estilizadas e normatizadas em padrões recorrentes.



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Contudo, no período Clássico as tentativas de se aproximar um pouco mais da anatomia humana incorporam a simetria e estrutura óssea e muscular, recursos de aproximação com o visível, embora ainda recorram a sistemas normativos mais racionalizados e pouco naturalistas como, por exemplo, os Cânones adotados pelos escultores tomando como base a cabeça humana.


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Escultores conhecidos como Praxíteles, Lisipo e Policleto, optaram por definir como parâmetro de proporção a medida da cabeça, assim, variando o número de cabeças para definir a altura das figuras as deixavam mais esbeltas ou mais densas.

As proposições mais próximas do naturalismo vais aparecer com a Arte Romana. Lá surgem os retratos. O retrato é uma representação naturalista do retratado. Convencionalmente se acredita que o retrato tenha a obrigação de se parecer com o retratado. Esta condição surge ainda no Império Romano quando as imagens passam a reproduzir a aparência "real" das pessoas, sejam governantes ou populares abastados.

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É pouco provável, ao olhar essa série de rostos, que as pessoas retratadas não se parecessem com seus retratos, pois as feições, expressão fisionômica, idade e textura da pele, calvície, etc, são mostradas com convicção. Há uma clara referência à configuração anatômica dessas faces e não apenas uma "idealização" da aparência. Embora tal atitude tenha sido importante para a Arte naquele período, não quer dizer que durasse para sempre.

Na Idade Média, por exemplo, as representações humanas se afastam novamente do naturalismo e se embrenham no simbolismo.

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As imagens voltam a ser rudimentares e se preocupam em narrar eventos e acontecimentos religiosos de deuses e mártires e não em reproduzir o visível.

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É no Renascimento Italiano que a anatomia deixa de ser algo superficial e intuitivo e passa a ser estudada e ser desenvolvida como um elemento de significação tão importante para a qualificação do conhecimento e, por consequência, do próprio artista a ponto de tornar-se um campo de estudo científico.

A produção artística deste período recebe um reforço extraordinário da observação do mundo e sua transformação em imagem por meio dos estudos da perspectiva na superfície plana e o aprimoramento da escultura no contexto ambiental tridimensional. Bons exemplos são as esculturas de David, realizadas nesse período por Donatello, Verrochio, Michelangelo e Bernini, já no Barroco. Todos eles buscam a representação da anatomia humana perfeita.

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No desenvolvimento dos processos e procedimentos de representação imagética, os estudos sobre anatomia enveredam pela representação científica. A qualificação dos artistas passa pela cientifização e muitos deles são estimulados para desenvolver estudos técnicos e não simbólicos ou expressivos, é o momento em que a Arte se aproxima da ciência natural e a anatomia humana é contemplada e passa a ser objeto de estudo e pesquisa tanto de artistas quanto de anatomistas até hoje respeitados.
É um grande salto e também uma grande mudança de rota, sair da representação artística para a apresentação médica. Entre eles podem ser citados pioneiros como Mondino de Luzzi, Leonardo Da Vinci, Walter Hermann Ryff e Andreas Vesalius que definem esta postura no contexto do período Moderno.

Mondino de Luzzi, or Mundinus de Liuzzi or de Lucci, (1270 – 1326), anatomista, escritor e professor de cirúrgia que viveu em Bolonha e estimulou a prática da dissecação pública.

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Mondino dei Liuzzi (1270-1326) assiste ad una dissezione dalla cattedra; incisione tratta da Fasciculus medicinae (1493)


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Mondino di Luzzi, Anathomia, 1541

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 Mondino Dei Luzzi's Anatomia Mundini, Ad Vetustis, 1541.

Entretanto, é com Leonardo Da Vinci, (1452-1519), que vamos reconhecer um dos primeiros estudiosos da anatomia humana. Ele não se preocupou apenas com o registro da estrutura anatômica, mas também em compreender o funcionamento do corpo humano: a fisiologia.

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Dissecação do corpo feminino, 1505.

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Dissecação do Coração e identificação do sistema circulatório.


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Dissecação do cérebro.
Além disso, Leonardo se preocupou também com as questões de proporção recorrendo à concepção de Vitrúvio representando a configuração proporcional definida por ele no chamado Homem Vitruviano.

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Homem Vitruviano

As proporções do “Homem Vitruviano”, de 1490, traz o conceito da Divina Proporção para o Renascimento.


Mais tarde, o estudioso Alemão Walter Hermann Ryff, publica a Anatomia Mórbida, em 1542. São estudos dedicados a entender o funcionamento do organismo humano.

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"Die Kleyner Chirurgei," Walter Hermann Ryff, 1542

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Plate 1 of Ryff’s Des aller furtrefflichsten, hoechsten und adelichsten Gschoepffs aller Creaturen, 1541.

Com Andrea Vesalius, (1514-1564), os estudos de anatomia vão encontrar seu maior aliado e difusor. Seu livro: De Humani Corporis Fabrica, publicado em 1543 é um atlas de anatomia humana, didático e eficiente para este campo de conhecimento.

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Vesalian Anatomical Theater and Practice;
Vesalius's Hands are On/In the Cadaver's Viscera (frontispiece of De fabrica)
Pode-se dizer que Andreas Vesalius foi criador do primeiro livro que servia aos estudos médicos e artísticos.

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De humani corporis fabrica librorum epitome.Basileae, ex officina Ioannis Oporini, 1543. [Ce.1.18]

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Uma das imagens mais icônicas de Vesalius é o ser humano, esfolado, segurando sua própria pele:

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Os estudos da anatomia humana se desenvolvem também nos séculos subsequentes, sendo temas de muitos artistas, a obra abaixo é de Michiel Jansz van Mierevelt, pintor holandês cuja obra é: Lição de anatomia do Dr. Willem van der Meer, de 1617.



Em 1632, Rembrandt vai pintar a célebre obra: Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp.




Em 1767, Jean-Antoine Houdon, esculpe L´Écorché em mármore, evidenciando a estrutura anatômica muscular humana, mostrada abaixo:



Houdon: l'Ecorche (Flayed Man)

Essa imagem da estrutura muscular é recorrente, retomada algumas vezes, Vesalius a coloca com a própria pele, Houdon, no Neoclassicismo francês a mostra em mármore. Novamente, há alguns anos atrás, um anatomista contemporâneo: Gunther Von Hagens. Professor de anatomia, alemão, nascido em 1945, em Liebchen, cria a técnica de Plastinação que, aplicada em cadáveres, é capaz de preservá-los para o estudo de anatomia. A técnica é tão eficiente que se encanta com ela e passa a estruturar seus cadáveres ao ponto de reler Vesalius ao mostrar um cadáver esfolado expondo a própria pele.

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Todavia, não para por ai, Von Hagens, ao contrário de manter a postura formal e fixa, como fazia Vesalius e outros anatomistas, posiciona os corpos em atitudes dinâmicas de movimento e ação, em geral em atividades esportivas, sugerindo aos corpos plastinados e inanimados a sensação de "vida". Isto faz com que essa abordagem sui generis o leve a mostrar suas obras, não apenas nos museus de anatomia ou história natural, mas a muitos outros ambientes expositivos como feiras e galerias de arte pelo mundo. De novo a questão se inverte: agora da anatomia para a Arte...

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Suas peças, em última hipótese, podem ser consideradas como uma homenagem ao ser humano, à vida em óbvia oposição à morte, nesse sentido é possível considerar o aspecto simbólico que orienta seus trabalhos, sem perder de vista a questão técnica, científica e anatomica.

Trazendo para o campo exclusivo da Arte, as questões da anatomia voltam à cena, especialmente recorrendo à representações humanas cotidianas. A partir da década de 60 do século passado vários artistas recorreram à representação naturalista, naquele momento, "Pós-modernista", chamados de Hiperrealismo.

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Duane Hanson, Super marketing lady, 1969.

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Duane Hanson, Turistas, 1988. 
As proposiçõs estéticas Hipperrealistas buscavam simular circunstâncias e situações do dia a dia recorrendo aos novos materiais e processos plásticos trazendo novamente a hiper-perfeição à Arte Visual. Esse novo Hiperrealismo opera sob duas questões principais: de um lado busca o requinte da representação anatômica precisa e, de outro, cria variações dimensionais, para maior ou menor, preservando a proporcionalidade do corpo humano.

Atualemte Ron Mueck - Ronaldo de Oliveira Mueck- nascido em Melbourne, em 1958, escultor australiano volta à poética Hiperrealista. Recorre à técnicas contemporâneas como o uso de materiais sintéticos e industriais para a construção de obras de caráter naturalista, variando as escalas proporcionais em suas imagens.

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Enfim, a relação da Arte com o corpo humano e sua anatomia sempre foi uma questão presente ao longo do tempo, seja pela atração ou o estranhamento que pode causar, podendo nos agradar ou não...

Agradeço àqueles que chegaram até aqui, peço que curtam e compartilhem, obrigado.