EM PROCESSO - Olá, eu me chamo Isaac, sou Carvólatra...

Desenho à carvão, Isaac.
Como já devem ter visto meus trabalhos plásticos têm um componente gestual expressivo recorrente que é a grafia, que chamo de comportamento "Desenhatório", uma espécie de tendência para o Desenho. Para que ele se realize há a necessidade da utilização de meios, instrumentos e materiais que produzam e mantenham rastros, marcas e registros. Vários instrumentos e materiais foram utilizados pelos artistas e criadores ao longo do tempo para plasmarem imagens em diferentes superfícies.

Na pré-história uma das atitudes que nos diferenciou das demais espécies foi a capacidade de abstrair e criar imagens e, um dos primeiros materiais usados para isto foi o carvão.
Confesso que tenho grande admiração pelo carvão devido às imensas possibilidades de uso e efeitos possíveis em sua aplicação é ai que entra a predileção por ele que batizei de Carvolatria, ou seja, a fraqueza do Carvólatra, a adicção do cara que usa carvão para criar imagens compulsivamente... Brincadeiras à parte, vamos ao processo.

Entre as primeiras imagens criadas na pré-história estão os Desenhos. Alguns feitos por meio de incisão sobre rochas, outros feitos com rastros de minerais e outros realizados com carvão mesmo. A obtenção deste material resultava da apropriação dos resíduos da queima acidental ou provocada da madeira ou de outras substâncias carbonizáveis. Não se pode dizer que o único uso deste material fosse gráfico, há informações que dão conta do seu uso curativo no preparo de unguentos, de pastas para uso "medicinal" em várias culturas, hoje em dia o é usado para purificação e contra intoxicações, logo, sua utilização é ampla, desde aplicações como "detox" graças à sua capacidade de absorção de toxinas do ar e em contextos orgânicos como carvão ativado para filtros biológicos, até para fazer o churrasco do fim de semana, então: Carvão é tudo de bom!

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Incisão Rupestre pré-histórica: desenho cavado na rocha, encontrado no Marrocos.
A caverna Chauvet Pont d´Arc na França descoberta em 1994 detém um dos maiores conjuntos de imagens produzidas com carvão há 35.000 anos.

Caverna Chauvet Pont d'Arc, desenhos feitos à carvão na pré-história.
Grafias como linhas, manchas, sombras, nuances e adensamentos são obtidos com o simples carvão.
O Carvão Vegetal é obtido a partir da queima ou carbonização da madeira cujo resultado são fragmentos porosos e negros com maior ou menor rigidez. Nem todo carvão obtido da queima de madeira é adequado para uso artístico, embora todos possam ser usados para isto há alguns mais eficientes para isto, ou seja, obtidos de vegetais mais porosos. O carvão de hastes de videira, de vime, de arbustos ou árvores frutíferas em geral são mais adequados. Assim podemos obter nosso próprio carvão, mas um detalhe importante é que, preferencialmente, esse carvão não pode ser sempre obtido da queima direta, mas indireta, em contêiners que o queimam sem deixá-los rígidos.

O que interessa é o seu uso plástico. Embora todo fragmento carbonizado possa deixar rastros e marcas em superfícies, os que servem melhor ao desenho ou à expressão gráfica devem apresentar certas características: maciez, porosidade, homogeneidade e consistência, então há Carvões e carvões. Há momentos em que o processo criativo busca traços consistentes e muito negros e outros em que se quer traços leves e transparentes promovendo variações de luminosidade, textura e cobertura da superfície. Observe os detalhes abaixo:


Nos detalhes mostram uma aproximação do mesmo desenho à carvão de um de meus trabalhos, em que as texturas podem ser observadas em suas nuances.

Mesmo que seja possível apropriar-se de resíduos carbonizados de vegetais para desenhar, há uma grande oferta de Carvão nas lojas de materiais artísticos. A indústria de material artístico, atenta ao potencial expressivo do carvão, foi esperta o suficiente para identificar alguns tipos de vegetais que atendiam melhor aos procedimentos artísticos. A videira, o salgueiro e o vime entre outros que passaram a ser colhidos e mesmo produzidos para este fim. As hastes destes vegetais são carbonizadas, selecionadas e embaladas para comercialização. Para aproveitar também o subproduto carbonizado, passaram a prensá-lo para produzir barras com diferentes densidades: mais densas ou mais suaves. Usaram também para fazer minas para lápis. Enfim, hoje em dia há diferentes recursos nos quais o carvão é utilizado como matéria prima para a produção de material de qualidade destinado à criação e à Arte. Contudo ainda é possível recorrer ao carvão de churrasco para experimentar alguns efeitos expressivos, então temos carvão para toda obra.

Como há variação de carvões, variam também os efeitos obtidos por cada um deles, como também variam as necessidades e características plásticas impostas pelos artistas aos seus trabalhos, quer seja por meio do tipo de carvão ou do suporte utilizado. Nesse contexto estas variações visuais se tornam os elementos de sentido que constroem a significação. Ao observar uma imagem produzida com carvão, não é apenas a figuração, o tema, o assunto que se deve levar em conta, mas também todos os efeitos e condicionantes plásticas como a textura, gradação tonal e recursos técnicos aplicados durante o processo de execução da obra. Como na apreciação de toda Obra de Arte, é necessário levar em conta tanto os aspectos conceituais quanto os aspectos técnicos.

Desenho à carvão, Isaac.
Em 1530, Michelangelo usa o carvão para desenhar várias imagens nas paredes de uma pequena sala sob a Capela Medici da Basílica de S. Lorenzo, onde havia se abrigado de uma das batalhas entre as famílias dominantes, daquele período. São estudos de figuras que realizou durante os meses que permaneceu escondido. Um dos usos comuns do carvão era a realização de estudos e esboços para obras definitivas, como na pintura.


Da Vinci usa o carvão para produzir estudos de: A Virgem e o Menino com Santa Ana e São João Batista, 1499-1500, no qual faz furos milimétricos para transferir a imagem para o suporte definitivo por meio de pó de carvão, técnica comum na época.


Outra técnica utilizada era desenhar à carvão numa superfície de papel, por exemplo, e depois pressionar este desenho sobre o local onde seria produzida a imagem definitiva, uma cópia de contato. Vários procedimentos, fossem preparatórios, parciais ou definitivos foram desenvolvidos a partir do uso do carvão. O uso mais comum era o de traçar esboços sobre telas antes da pintura para delimitar áreas ou a própria imagem que, pela fragilidade do material, simplesmente desapareceria sob a pintura.
No entanto, esse era o problema que todo desenhista enfrentava com o carvão: Como fazer com que um material, quase volátil permanecesse numa superfície?
Se a superfície é porosa, o carvão a revela, expõe, explicita e faz com que sua textura seja valorizada e se torna também elemento de significação neste processo, mas também o mantêm frágil: um pó que pode ser retirado até pelo vento...

Os primeiros recursos que surgiram e preservaram o material foram as gorduras orgânicas ou resinas vegetais, a mistura do carvão com estes aglutinantes ou amalgamantes, possibilitaram a manutenção por mais tempo nas superfícies ou suportes. Era o recurso dos primeiros seres humanos nas cavernas nas quais se abrigavam.
Mais tarde os artistas passaram a fixar tais imagens com cola, o processo consistia em preparar a superfície com cola liquida, deixar secar e desenhar por cima. Terminado o desenho o suporte era exposto ao vapor para que a cola derretesse e o carvão fosse incorporado a ela.
Outro processo era o de mergulhar as hastes de carvão em óleo ou resina fazendo com que aderisse melhor sobre a superfície, o que também a manchava e não produzia um bom acabamento.

Embora pouco eficiente era o que podia ser feito, mais tarde, graças ao desenvolvimento de novos vernizes e de novos processos de aplicação foi possível borrifar verniz sobre a superfície desenhada sem risco de alterar o desenho. O surgimento dos tubos de verniz comprimido, como sprays, possibilitaram novas variações como acabamento fosco ou brilhante, com ou sem filtros Ultra Violeta. Assim foi possível intensificar o uso das técnicas à carvão sem correr os riscos que os artistas do passado enfrentaram.

Abaixo mais dois detalhes de desenhos meus para ilustrar seus efeitos, tanto de imposição de traços, quanto da retirada por apagamento. O branco surge do suporte ou quando se "apaga" um traço ou se constroem outros traços com borracha.




Hoje em dia é possível retomar com mais eficiência os processos de desenho à Carvão preservando quase que integralmente os efeitos plástico/visuais, como as texturas e variações tonais, mantendo a essência poética destes procedimentos, assim surgiram os Carvólatras... que, como eu, investem na exploração deste recurso atávico, ancestral, histórico, rico e atual.


Sugiro que experimente, curta, enfim, conhecimento é pra compartilhar!

REFLEXÕES - Professor: um personagem importante...



Quem não teve uma professora ou professor que marcou sua memória?

Todos aqueles que tiveram a oportunidade de submeter-se ao ensino formal, em algum momento dessa trajetória, encontraram pessoas que reuniram conhecimento, conduta e disposição para exemplificar o melhor do ser humano e, naquele momento, se tornaram exemplos marcantes para muitos em suas carreiras e posturas. Por isso, acredito, que uma data só não baste como homenagem a essas personagens, quase anônimas, que ocuparam algum tempo de nossas vidas, mas que não nos deixaram até hoje.

Dia 15 de outubro é a data destinada a comemorar o “Dia do Professor”. Para muitos, apenas mais um feriado escolar, para outros um Marco. O primeiro marco foi a criação do Ensino Elementar no Brasil, lei criada pelo imperador D. Pedro I, promulgada em 1827 em 15 de outubro, dia dedicado a educadora Santa Tereza D´Avilla. Assim foi implantado o ensino oficial no Brasil. Em todas as cidades do país foram criadas as Escolas de Primeiras Letras, sem dúvida: um marco.

O segundo marco foi a reunião de alguns professores do então Ginásio Caetano de Campos, em S. Paulo que organizaram, em 1947, um desfile festivo para comemorar a data, aproveitando o único período de recesso no longo segundo semestre do ano, entre o dia primeiro e quinze de outubro. O evento acabou se repetindo nos próximos anos como um momento de congraçamento entre professores, estudantes e familiares.

Um novo marco foi o reconhecimento da data por meio do Decreto Federal no. 52.682 de 1963 que oficializa este dia no calendário comemorativo nacional. Na América Latina o dia é comemorado em 11 de setembro e a UNESCO define, em 1994, a data de 5 de outubro como dia internacional.

Dados relativos às efemérides são comuns em todos os países que, em momentos de reflexão, contemplação ou pena resolvem homenagear seus marcos históricos, seus heróis e mártires. A questão que resta é que, nem sempre, o significado original é lembrado, tampouco sua importância. Que falta de memória! Assim, uma data relevante se torna apenas uma marquinha vermelha na grade do calendário.

Se não bastasse a perda de memória, somos vítimas de maiores perdas como o próprio objetivo da Educação. No decreto imperial o objetivo era fazer com que as pessoas aprendessem a aprender, tivessem condições básicas para enfrentar o conhecimento e dele se apropriar. Esta é a principal meta do ensino fundamental que, até hoje, orienta as propostas pedagógicas. O problema é que nos “esquecemos” de como fazer isso. O Ensino Fundamental e Médio ficou relegado a sua própria sorte. Muitas escolas oficiais não possuem as condições e os requisitos mínimos previstos pelo Imperador para implantação do ensino oficial no país.

Parte disso corresponde à crescente “comoditização” do país por meio da exploração desenfreada das reservas minerais, ambientais por meio do extrativismo intenso, da agricultura predatória e de outras estratégias de arrefecimento de ânimos e vontades transformou a escola num não-lugar onde o professor não consegue ensinar e o aluno não consegue aprender.

Sou Professor e esse é mais um texto redundante, mais um lamento inaudível e inócuo, não sobre o Dia do Professor, mas sobre as condições de indigência a que a Educação nacional vem sendo submetida. Enfim, é mais uma tentativa, entre milhares, de chamar a atenção para a importância da Educação. Nesse momento me refiro a Educação como o campo no qual atuo como profissional e que defendo como estratégia para o desenvolvimento do conhecimento e crescimento individual e social. Pensar em Educação contempla desde aquela mais simples, afetiva e efetiva que se inicia junto aos familiares que nos dão as primeiras lições de vida mas que não bastam nem são suficientes para nossa sobrevivência social, ai entra a Escola, o ambiente onde serão aprimorados os comportamentos básicos, iniciados e depois desenvolvidos, em diferentes níveis, para domínio dos conhecimentos formais sobre o mundo e a ciência. É lógico que o Ensino faz parte desse processo, mas não basta. O Ensino -e a Aprendizagem seu resultado- como algo mais objetivo e destinado a um fim mais perceptível e verificável, não é suficiente para constituir uma pessoa plena de suas idiossincrasias.
Essa é a falácia deletéria mais praticada pelos “pretensos educadores”, ou seja, fazer a sociedade ignorar a falência da estrutura familiar e social e ainda acreditar que instruir, informar ou arrolar e disponibilizar um conjunto de dados seja suficiente para preparar alguém para ser “gente”. Assim surgem as “fabricas de diplomas” que vendem títulos à granel iludindo o “consumidor” que acredita tomar posse do conhecimento e assim ascender intelectual e economicamente na sociedade. Ledo engano!

O conhecimento pasteurizado e distribuído por instituições mercantis apenas abasta mais e mais seus gestores, empreendedores e associados, deixando seus “clientes” com um canudo na mão, uma dívida no banco e a desilusão no horizonte... Pena...

Sínteses como esta são fáceis de fazer e fáceis de desfazer ou ignorar... mesmo assim acredito que se em cada data recorrêssemos à nossa memória para aquecer as lembranças ou simplesmente não esquecer de quem já fomos, seria um modo de não perder o foco ou o rumo e, no mínimo, um ato de bondade e reconhecimento para todos aqueles que se dedicaram em um momento ou outro para que a humanidade ficasse um pouco melhor...

Agradeço a leitura e o compartilhamento, obrigado.

REFLEXÕES - Imagem e Arte: aproximações e afastamentos.


Meu mantra: "Imagem é uma configuração visual geradora de sentido". Este aforismo condensa numa frase o que, a meu ver, é a imagem e o utilizo como apoio para discorrer sobre ela e entendê-la melhor.
Grande parte das Poéticas em Artes Visuais se realiza por meio de imagens, contudo não significa que toda imagem seja Arte. Pode-se dizer que a aproximação entre imagem e Arte começou com a pré-história.

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Imagens da pré-história, Caverna de Altamira. Espanha.
Olhando para a aurora da humanidade vemos que foram justamente as imagens que constituíram as primeiras manifestações formais do ser humano e que, por sorte, chegaram até hoje. Desenhos, pinturas, incisões, modelagens, esculturas e construções fizeram parte da cultura humana desde o princípio.
Por isso se acredita que as imagens surgiram ao mesmo tempo que a Arte ou foi o contrário? Ao chamar àquelas primeiras imagens de Arte criou-se uma relação ambígua entre imagem e Arte e levantou uma questão importante: Fazer imagem já é, por princípio, um ato ou conduta artística ou para que uma imagem seja considerada Arte deve ter características ou propriedades específicas? Aqui reside a questão da aproximação e do afastamento entre estas duas instâncias.

A caverna de Altamira, na Espanha, é descoberta em 1868, ou seja, "oficialmente" só se descobre que o ser humano realizava imagens desde a pré-história a partir do século XIX, portanto, até então o que se conhecia da produção imagética eram aquelas realizadas a partir das civilizações da Antiguidade. Assim foi necessário retroagir o conhecimento das imagens de mais ou menos 10.000 para 40.000 anos e pior, como entender as imagens realizadas em períodos tão distantes e sem nenhuma pista?

Para melhor entender isso é só lembrar que, aos olhos do século XIX, a Arte Visual era associada às habilidades motoras. O artista era aquele que tinha o dom ou a capacidade de converter coisas, circunstâncias e cenas do mundo em imagens. Assim as imagens narravam, informavam, documentavam, representavam coisas do mundo. Grande parte da produção de imagens dependia das habilidades dos artistas, basta lembrar que o surgimento da fotografia só ocorre na segunda década do século XIX com um meio de "reprodução" e só no final dele é que se torna um meio "alternativo" para a "produção" de imagens.

Neste linha de raciocínio é admissível que as imagens pré-históricas, ao serem descobertas, fossem admitidas como artísticas. Me parece ter sido esta a primeira, mais plausível ou mais adequada hipótese para justificar sua existência naquele momento, só mais tarde foram aventadas outras possibilidades entendendo-as sob um viés mais antropológico vinculando-as às finalidades rituais, místicas e simbólicos. Nesse sentido, chamar de Arte àquelas imagens foi mais uma questão de reconhecimento cultural do que estético, no entanto, dada às suas características plásticas, não há como negar a presença de componentes estéticos.

Contudo não parece ser razoável pensar que o conceito de criação/apreciação estética amparasse ou mobilizasse a expressão naquele momento. Não se sabe nem mesmo o gênero de quem as realizou, nada impede de acreditar que pudessem ter sido realizadas por mulheres. É possível até justificar isso considerando que, ao cuidar da prole, no abrigo das cavernas sob as intempéries, estivessem mais presentes e disponíveis para realização daquelas imagens do que os homens que, supostamente, estariam fora e dedicados a coleta e à caça.

Os elementos visuais que orientam a estética plástica e sustentam até hoje a expressão nas manifestações da Arte Visual já estavam presentes naquele momento, sabe-se que não é possível atestar ou confirmar que aquelas obras tivessem apenas finalidade  artística, mesmo porque as concepções estéticas e conceituais que fundamentam o que se passou a considera Arte só se consolidaram, de fato, há bem pouco tempo. Somente a partir da Idade Moderna, com o Renascimento e as Academias de Arte, que os valores artísticos passaram a ser reconhecidos como distintos dos fazeres técnicos e artesanais que dominaram por muito tempo a produção de imagens.

Se num primeiro momento as imagens atendiam às necessidades rituais e mágicas, aos poucos foram sendo usadas para manifestar o poder dominante na sociedade, fosse por meio de sua presença nos palácios, templos e túmulos, ornamentando-os ao gosto e interesse de seus governantes, enaltecendo seu feitos e conquistas. Deixaram de ser feitas para dialogar com o sobrenatural e encantar os olhos dos deuses, mas para os olhos humanos e, principalmente, informar as conquistas e a força do poder, estabelecendo distinções entre opressores e oprimidos. Os combates, as guerras, a dominação se torna um tema comum e explícito nas imagens desde a antiguidade.

Estela de la victoria del rey Naram-Sin, hecha en piedra rosa. Los cuernos indican su paso a la divinidad.
Detalhe da estela de Naran-Sin, rei acadiano, cuja peça entalhada em arenito rosa, datada de 2.500 a.C., narra sua vitória sobre os inimigos.
Esse sistema narrativo está para a Arte assim como a propaganda está para a comunicação social. 
Registrar e difundir informações não garante conteúdos artísticos ou estéticos, apenas se apropria deles e lhes dá outro destino ou função social. Usando este raciocínio, é o mesmo que entender as imagens produzidas contemporaneamente nas mídias de comunicação social como expressão artística e não como meios de comunicação e estas imagens, são Arte?

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O Massacre de Quios, Eugene Delacroix, 1823. Em 1822, os gregos da ilha de Qios são mortos pelos turcos na Guerra pela independência da Grécia. Delacroix resolve tratar desse assunto  e fazer dele um alerta contra este tipo de atrocidade.
Delacroix usa de suas habilidades de artista para plasmar uma cena em que os vencidos, prostrados, revelam a barbárie humana. A temática social de índole ideológica é construída mediante os procedimentos da estética Neoclássica que dominava os primeiros anos do século XIX.

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Soldado ferido mostrado por Roger Fenton, realizada em 1856 durante a Guerra da Criméia. Uma das primeiras imagens fotográficas tomadas em ambiente de conflito. 

Com o advento da Fotografia, a produção de imagens deixa de ser exclusivamente realizada pelas mãos humanas e passam a ser produzidas e reproduzidas por aparelhos e máquinas. Neste sentido podem ser tomadas como registros de fatos e eventos, tornando-se documentos, testemunhas visuais incontestáveis de acontecimentos. Com isto surge outro impasse: a imagem fotográfica é Arte ou Documento?

Polêmica à parte, a produção de imagens por meio de aparelhos e sua reprodução e distribuição impressa assume uma dimensão tão grande e intensa constituindo sistemas de informação e narrativos capazes de comunicar dados e interferir nos percursos culturais chegando a ser estudadas como um fenômeno social na Cultura Visual. Simultaneamente as imagens produzidas por esse sistema passam a ser usadas na publicidade tornado-se uma presença constante no mundo atual, servindo até como estratégia  de criação artística na estética da Pop Arte e da Arte Conceitual e pós-moderna.


A obra "Retroativo I, de 1964, de Robert Rauschenberg, construída a partir da colagem de várias fotografias publicadas na época reverte o processo de informação para o processo estético-criativo.
A partir das constatações aqui arroladas é possível admitir que uma imagem pode cumprir várias funções simultaneamente sem que uma esvazie outra. Pode ser, ao mesmo tempo, Arte e informação, a questão é identificar quando isso acontece ou como estas interposições ou interpolações são realizadas intensificando ou diversificando funções estéticas ou pragmáticas.

Um bom exemplo disso são as fotografias publicitárias ou de moda, que operam qualidades e valores plásticos ou visuais com igual ou maior desenvoltura do que um artista, realizando obras dignas da mais sofisticada poética artística, no entanto, por mais que tais imagens igualem ou superem as qualidades plásticas ou visuais da produção artística, isso não é, por si só, uma garantia de “artisticidade”, embora tenham potencial para isto.

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Foto de Man Ray, de 1936 para a revista de moda Vogue, reúne aspectos estéticos e publicitários em abordagem inovadora por meio da luz e composição.

Ao fim e ao cabo, o que define se uma imagem é uma Obra de arte é, sem dúvida, sua destinação estética. As Obras de Arte visam relações de caráter conceitual e estético, visam a apreciação, fruição, como coisa da Arte e não só da mídia de informação. Uma construção artística não se destina, por princípio, a nenhuma função pragmática ou técnica, portanto, não se desvia ou ignora sua vocação original que é, em última instância a expressão artística.

Grato pela leitura, agradeço o compartilhamento.

REFLEXÕES - É possível definir Arte?

Provavelmente todos tenham um entendimento do que é Arte.
O historiador, artista, crítico e professor Frederico Moraes publicou em 1998, pela editora Record, um livro intitulado: "Arte é o que eu e você chamamos Arte: 801 definições sobre Arte e o Sistema de Arte", contudo, nem todas as "definições" que ele arrola são embasadas conceitualmente ou no conhecimento da área, mas também em compreensões paralelas, informais ou parciais e mesmo conflitantes, seja de filósofos, artistas, cientistas, críticos, jornalistas entre outras pessoas que, em um momento ou outro, se sentiram "iluminadas" e deram um pitaco nesta área. O próprio autor é "autodidata" em Arte, como se diz: formado na vida... Embora com uma trajetória invejável de artista crítica, escrita e curadoria não frequentou os bancos escolares da formação artística o que não o impediu de realizar uma produção de excelente nível e qualidade neste contexto.

Identificar, distinguir, interpretar, entender O que é Arte, tem sido uma questão recorrente tanto no meio acadêmico quanto no senso comum. O meio acadêmico, como responsável pelo balizamento do conhecimento como um todo, se esmera e se aprofunda na compreensão e distinção do saber em todas as áreas, isto não é diferente no campo da Arte. Contudo, os esforços que têm sido dedicados a ela não tem surtido o efeito necessário e esperado na sociedade.

Pode-se justificar tal entendimento ao levar em conta que entre a pesquisa, o desenvolvimento do conhecimento científico praticado nas instituições e Ensino Superior, não atinge a sociedade na mesma proporção de suas conquistas, ou seja, a educação proporcionada à sociedade não consegue acompanhar ou atualizar o que se sabe no mesmo ritmo do desenvolvimento, assim, há um constante atraso, um "delay" entre a pesquisa e sua aplicação e "feedback", cujo retorno é lento ou tardio.

O que dizer da dificuldade em alcançar uma formação geral que, ao mesmo tempo que medie o domínio de conhecimentos básicos também prepare a sociedade para a compreensão da cultura como um todo. Assim, o que se sabe sobre Arte, na maior parte das vezes, é obtido parcial ou informalmente e, em geral, do senso comum.
O ser humano, por natureza, tem a necessidade de compreender as coisas, independente de estar no mundo natural ou na cultura. Esta necessidade leva a buscar explicações, justificativas e isto, consequentemente, gera Conhecimento. Organizar, sistematizar o conhecimento é uma tarefa contínua e dinâmica que depende de revisões contínuas, reavaliando, confrontando e estabelecendo novos princípios e valores.

No campo da Arte, por sua dinâmica própria, é praticamente impossível alcançar uma "definição" "definitiva" do que ela seja. Muitos artistas, teóricos, estetas e filósofos, escritores, jornalistas e críticos, vez ou outra, sentiram tentados a fazer isso. Digo tentados, pois definir soa como algo finalizado, acabado e que não precisa ou não necessita mudar, mas as coisas não são assim. Definir é uma responsabilidade muito grande, requer conhecimento, visão geral e específica e, principalmente, a compreensão de que o que se define não está sujeito a mudanças, que seja uma constante imutável e permanente. Se levarmos isso ao "pé da letra" nem mesmo a física, que se dedica aos estudos das ciências naturais, tem toda a certeza de que o que sabe hoje não mudará amanhã. O que dizer então da Arte? Especialmente da Arte Visual, campo em que atuo?

A Arte comporta diferentes olhares e leituras, portanto, diferentes modos de vê-la e pensa-la em cada tempo e lugar, em cada civilização, em cada sociedade, em cada cultura e mesmo cada indivíduo que a pense acaba assumindo uma versão dela. Resta então tentar encontrar algumas características que lhe sejam comuns e, por meio delas, identificar o que pode ser e o que não pode ser entendido como Arte num dado período e contexto cultural.

Um primeiro aspecto que pode ser levado em consideração é que a Arte, enquanto manifestação humana, sempre ocorreu em qualquer tempo ou lugar. Independente dos modos ou fins para o quais foram feitas, todas as civilizações produziram Obras de Arte e, consequentemente, ela sempre foi um dos elementos de identidade cultural e ajudou a distinguir uma sociedade de outra ou mesmo os diferentes estágios em que uma sociedade estava.

Um segundo aspecto é lembrar que as funções que ela exerce em cada momento social são diferentes de um para outro. Se para o ser humano pré-histórico a arte serviu para evocar vibrações positivas para empreender e propiciar a caça ou simplesmente para ter algo para seu deleite ou apreciação, para o ser humano contemporâneo não funciona assim, pode-se dizer que serve tanto para posicionar-se estética ou politicamente na sociedade quanto para decorar, ornamentar um ambiente ou configurar um produto. Diversos usos e funções foram acoplados ou dispensados da produção artística ao longo dos séculos, logo, não falamos de uma coisas só, mas de muitas coisas e juntar tudo num só "pacote", é complicado.

Um terceiro aspecto, é que os modos de fazê-la e os locais em que surgia também se distinguiam entres essas sociedades. Na pré-história ocupava as paredes das cavernas, na antiguidade as paredes dos palácios, templos e túmulos. Na Idade Média as paredes das igrejas, na Idade Moderna adquiriu "portabilidade" por meio da chamada Pintura de Cavalete, hoje em dia nem as paredes a suportam... ocupam o ambiente, o espaço público e a face da terra...

Podemos então dizer que a arte assume em cada momento e em cada lugar, um modo de existência que não se coaduna necessariamente com outro, logo, é impossível esperar que uma simples definição dê conta de toda sua complexidade. É possível que a Arte seja uma das maneiras que a humanidade tem de se manifestar seja enquanto sociedade ou como indivíduo e, por meio dela, é possível entender melhor esta sociedade pelo simples prazer ou fato de saber "onde se está pisando", quem somos aqui e agora. Esse poderia ser então o primeiro elemento para sua compreensão e entendimento: o fato de ser uma Manifestação presente, recorrente e que pertence à humanidade.

Entretanto, existem manifestações que expressam as mais diversas índoles humanas, como podemos então, diferenciar aquelas chamamos de artísticas daquelas que não se chama assim? Por exemplo, um bebê se manifesta quando chora, provocando uma reação na sua mãe que a leva a tomar alguma atitude em relação a ele dependendo do tipo de choro que identifica: pode lhe oferecer alimento, carinho, cuidados terapêuticos, enfim o choro tem significações e sentido que podem ser interpretados. Uma pessoa pode manifestar sua indignidade em relação a algo e esbravejar, entretanto, tanto esta manifestação quanto o choro da criança, expressam sentimentos e intenções que são reais, mas são Arte?

Pode-se dizer que não é este tipo de expressão que interessa no contexto da Arte. Para facilitar o entendimento do que tento dizer é só imaginar situações semelhantes a essas numa peça teatral ou num filme: Uma mãe, ao ouvir o choro do filho, corre até ele para verificar sua segurança, ao tomá-lo em seus braços percebe sua fome e o alimenta e embala. Nada mais sublime para significar a atenção e o carinho que a mãe dedica ao filho. Neste caso, o que se vê é uma representação na qual o tema pode ser a atenção materna e o choro como indicador da fome, o elemento deflagador da situação, mas ele não é o fator essencial de sentido e de significação, como dito, o sentido que se espera se refere ao amor materno. O outro exemplo, do sujeito que esbraveja, ao fazer isto no mundo natural, poderá causar o constrangimento ou indignação entre as demais pessoas com as quais dialogue ou que estejam próximas. Ao transpor esta situação para a ficção, no cinema ou o teatro, o que se tem é uma representação de um estado de ânimo, forada realidade e uma introdução no campo da ficção e da fantasia, da criação. Assim é possível distinguir algo que ocorre no mundo natural, daquilo que ocorre no mundo da cultura ou da Arte.

A Arte Visual lida com fatores e elementos visuais, tanto plásticos como técnicos e tecnológicos que operam em bases imagéticas. Digo imagéticas por considerar que a construção de imagens não é só coisa da Arte, mas uma das coisas que a Arte opera, ou seja, a Arte Visual contém imagens mas nem toda imagem é arte. Sempre digo, quase como  um Mantra, que: "Imagem é uma configuração visual produtora de sentido". Contudo o sentido produzido por elas nem sempre estão no contexto da Arte. Podem estar em outros contextos como os da publicidade, propaganda, comunicação visual, design, projetos arquitetônicos, gráficos e em muitos outros com os quais convivemos na sociedade e na cultura. Portanto, imagem e Arte podem estar juntas ou não. Isto tem a ver com a questão da atribuição, proposição ou com os destinos dados às imagens em cada tempo e cada lugar.

A expressão artística, portanto, promove uma reoperação, a ressignificação de estados e valores para destaca-los com o fim de refletir sobre eles ou simplesmente adota-los como tema ou assunto. Pode até imita-los, reproduzi-los mas não os adota-los como reais ou parte do mundo natural ou como se fosse verdade absoluta e irrefutável, sabe-se que a Arte trabalha com efeitos de sentido e não com eles propriamente ditos. Pode-se dizer então que opera com valores estésicos que são sentidos e sensações advindas da apreensão e significação do mundo, chamados por Alexander Gotlieb Baumgarten, em 1750, de Estéticos. Inaugura assim a Estética como ciência do Belo e da Arte, como intitula seu livro. Assim temos o segundo elemento importante para a compreensão da Arte a Estética, ou seja um tipo de manifestação especial que não se importa muito com o que está no mundo mas com o que está no seu próprio contexto, o da Arte.

Como professor, me senti na obrigação de tentar encontrar um meio de facilitar a compreensão do que se pode entender por Arte. Seguindo o raciocínio aqui explicitado, recorri a três aspectos distintos e necessários para a compreensão da Arte: ela é humana e só existe ao ser manifesta/expressa segundo critérios e valores estéticos.
Deste modo pude formular uma explicação capaz de reduzir um conceito complexo em uma só frase:
"Arte é a manifestação estética da humanidade".

Embora pareça uma afirmação tautológica, comporta uma explicação plausível e, por meio dela, é possível abordar o que é Arte, pelo menos no contexto acadêmico e pedagógico com o qual lido.
Acredito que ela ajude a entender o conceito de Arte, pois não há dúvida de que a Arte só existe por meio de sua manifestação aos sentidos; também não há dúvida de que uma manifestação artística para ser assim compreendida, deve ocorrer a partir de proposições de caráter estético ou, pelo menos, com ele dialogar; o terceiro ponto é constatar que só o ser humano é capaz de produzir Arte já que os outros animais ou seres vivos não são capazes de se expressar esteticamente dentro ou fora da Arte já que não se comportam volitiva ou conscientemente com tal intenção.

Grato pela leitura, espero que tenha ajudado a melhor entender o contexto da Arte Visual, agradeço o  compartilhamento, obrigado.