REFLEXÕES - É possível definir Arte?

Provavelmente todos tenham um entendimento do que é Arte.
O historiador, artista, crítico e professor Frederico Moraes publicou em 1998, pela editora Record, um livro intitulado: "Arte é o que eu e você chamamos Arte: 801 definições sobre Arte e o Sistema de Arte", contudo, nem todas as "definições" que ele arrola são embasadas conceitualmente ou no conhecimento da área, mas também em compreensões paralelas, informais ou parciais e mesmo conflitantes, seja de filósofos, artistas, cientistas, críticos, jornalistas entre outras pessoas que, em um momento ou outro, se sentiram "iluminadas" e deram um pitaco nesta área. O próprio autor é "autodidata" em Arte, como se diz: formado na vida... Embora com uma trajetória invejável de artista crítica, escrita e curadoria não frequentou os bancos escolares da formação artística o que não o impediu de realizar uma produção de excelente nível e qualidade neste contexto.

Identificar, distinguir, interpretar, entender O que é Arte, tem sido uma questão recorrente tanto no meio acadêmico quanto no senso comum. O meio acadêmico, como responsável pelo balizamento do conhecimento como um todo, se esmera e se aprofunda na compreensão e distinção do saber em todas as áreas, isto não é diferente no campo da Arte. Contudo, os esforços que têm sido dedicados a ela não tem surtido o efeito necessário e esperado na sociedade.

Pode-se justificar tal entendimento ao levar em conta que entre a pesquisa, o desenvolvimento do conhecimento científico praticado nas instituições e Ensino Superior, não atinge a sociedade na mesma proporção de suas conquistas, ou seja, a educação proporcionada à sociedade não consegue acompanhar ou atualizar o que se sabe no mesmo ritmo do desenvolvimento, assim, há um constante atraso, um "delay" entre a pesquisa e sua aplicação e "feedback", cujo retorno é lento ou tardio.

O que dizer da dificuldade em alcançar uma formação geral que, ao mesmo tempo que medie o domínio de conhecimentos básicos também prepare a sociedade para a compreensão da cultura como um todo. Assim, o que se sabe sobre Arte, na maior parte das vezes, é obtido parcial ou informalmente e, em geral, do senso comum.
O ser humano, por natureza, tem a necessidade de compreender as coisas, independente de estar no mundo natural ou na cultura. Esta necessidade leva a buscar explicações, justificativas e isto, consequentemente, gera Conhecimento. Organizar, sistematizar o conhecimento é uma tarefa contínua e dinâmica que depende de revisões contínuas, reavaliando, confrontando e estabelecendo novos princípios e valores.

No campo da Arte, por sua dinâmica própria, é praticamente impossível alcançar uma "definição" "definitiva" do que ela seja. Muitos artistas, teóricos, estetas e filósofos, escritores, jornalistas e críticos, vez ou outra, sentiram tentados a fazer isso. Digo tentados, pois definir soa como algo finalizado, acabado e que não precisa ou não necessita mudar, mas as coisas não são assim. Definir é uma responsabilidade muito grande, requer conhecimento, visão geral e específica e, principalmente, a compreensão de que o que se define não está sujeito a mudanças, que seja uma constante imutável e permanente. Se levarmos isso ao "pé da letra" nem mesmo a física, que se dedica aos estudos das ciências naturais, tem toda a certeza de que o que sabe hoje não mudará amanhã. O que dizer então da Arte? Especialmente da Arte Visual, campo em que atuo?

A Arte comporta diferentes olhares e leituras, portanto, diferentes modos de vê-la e pensa-la em cada tempo e lugar, em cada civilização, em cada sociedade, em cada cultura e mesmo cada indivíduo que a pense acaba assumindo uma versão dela. Resta então tentar encontrar algumas características que lhe sejam comuns e, por meio delas, identificar o que pode ser e o que não pode ser entendido como Arte num dado período e contexto cultural.

Um primeiro aspecto que pode ser levado em consideração é que a Arte, enquanto manifestação humana, sempre ocorreu em qualquer tempo ou lugar. Independente dos modos ou fins para o quais foram feitas, todas as civilizações produziram Obras de Arte e, consequentemente, ela sempre foi um dos elementos de identidade cultural e ajudou a distinguir uma sociedade de outra ou mesmo os diferentes estágios em que uma sociedade estava.

Um segundo aspecto é lembrar que as funções que ela exerce em cada momento social são diferentes de um para outro. Se para o ser humano pré-histórico a arte serviu para evocar vibrações positivas para empreender e propiciar a caça ou simplesmente para ter algo para seu deleite ou apreciação, para o ser humano contemporâneo não funciona assim, pode-se dizer que serve tanto para posicionar-se estética ou politicamente na sociedade quanto para decorar, ornamentar um ambiente ou configurar um produto. Diversos usos e funções foram acoplados ou dispensados da produção artística ao longo dos séculos, logo, não falamos de uma coisas só, mas de muitas coisas e juntar tudo num só "pacote", é complicado.

Um terceiro aspecto, é que os modos de fazê-la e os locais em que surgia também se distinguiam entres essas sociedades. Na pré-história ocupava as paredes das cavernas, na antiguidade as paredes dos palácios, templos e túmulos. Na Idade Média as paredes das igrejas, na Idade Moderna adquiriu "portabilidade" por meio da chamada Pintura de Cavalete, hoje em dia nem as paredes a suportam... ocupam o ambiente, o espaço público e a face da terra...

Podemos então dizer que a arte assume em cada momento e em cada lugar, um modo de existência que não se coaduna necessariamente com outro, logo, é impossível esperar que uma simples definição dê conta de toda sua complexidade. É possível que a Arte seja uma das maneiras que a humanidade tem de se manifestar seja enquanto sociedade ou como indivíduo e, por meio dela, é possível entender melhor esta sociedade pelo simples prazer ou fato de saber "onde se está pisando", quem somos aqui e agora. Esse poderia ser então o primeiro elemento para sua compreensão e entendimento: o fato de ser uma Manifestação presente, recorrente e que pertence à humanidade.

Entretanto, existem manifestações que expressam as mais diversas índoles humanas, como podemos então, diferenciar aquelas chamamos de artísticas daquelas que não se chama assim? Por exemplo, um bebê se manifesta quando chora, provocando uma reação na sua mãe que a leva a tomar alguma atitude em relação a ele dependendo do tipo de choro que identifica: pode lhe oferecer alimento, carinho, cuidados terapêuticos, enfim o choro tem significações e sentido que podem ser interpretados. Uma pessoa pode manifestar sua indignidade em relação a algo e esbravejar, entretanto, tanto esta manifestação quanto o choro da criança, expressam sentimentos e intenções que são reais, mas são Arte?

Pode-se dizer que não é este tipo de expressão que interessa no contexto da Arte. Para facilitar o entendimento do que tento dizer é só imaginar situações semelhantes a essas numa peça teatral ou num filme: Uma mãe, ao ouvir o choro do filho, corre até ele para verificar sua segurança, ao tomá-lo em seus braços percebe sua fome e o alimenta e embala. Nada mais sublime para significar a atenção e o carinho que a mãe dedica ao filho. Neste caso, o que se vê é uma representação na qual o tema pode ser a atenção materna e o choro como indicador da fome, o elemento deflagador da situação, mas ele não é o fator essencial de sentido e de significação, como dito, o sentido que se espera se refere ao amor materno. O outro exemplo, do sujeito que esbraveja, ao fazer isto no mundo natural, poderá causar o constrangimento ou indignação entre as demais pessoas com as quais dialogue ou que estejam próximas. Ao transpor esta situação para a ficção, no cinema ou o teatro, o que se tem é uma representação de um estado de ânimo, forada realidade e uma introdução no campo da ficção e da fantasia, da criação. Assim é possível distinguir algo que ocorre no mundo natural, daquilo que ocorre no mundo da cultura ou da Arte.

A Arte Visual lida com fatores e elementos visuais, tanto plásticos como técnicos e tecnológicos que operam em bases imagéticas. Digo imagéticas por considerar que a construção de imagens não é só coisa da Arte, mas uma das coisas que a Arte opera, ou seja, a Arte Visual contém imagens mas nem toda imagem é arte. Sempre digo, quase como  um Mantra, que: "Imagem é uma configuração visual produtora de sentido". Contudo o sentido produzido por elas nem sempre estão no contexto da Arte. Podem estar em outros contextos como os da publicidade, propaganda, comunicação visual, design, projetos arquitetônicos, gráficos e em muitos outros com os quais convivemos na sociedade e na cultura. Portanto, imagem e Arte podem estar juntas ou não. Isto tem a ver com a questão da atribuição, proposição ou com os destinos dados às imagens em cada tempo e cada lugar.

A expressão artística, portanto, promove uma reoperação, a ressignificação de estados e valores para destaca-los com o fim de refletir sobre eles ou simplesmente adota-los como tema ou assunto. Pode até imita-los, reproduzi-los mas não os adota-los como reais ou parte do mundo natural ou como se fosse verdade absoluta e irrefutável, sabe-se que a Arte trabalha com efeitos de sentido e não com eles propriamente ditos. Pode-se dizer então que opera com valores estésicos que são sentidos e sensações advindas da apreensão e significação do mundo, chamados por Alexander Gotlieb Baumgarten, em 1750, de Estéticos. Inaugura assim a Estética como ciência do Belo e da Arte, como intitula seu livro. Assim temos o segundo elemento importante para a compreensão da Arte a Estética, ou seja um tipo de manifestação especial que não se importa muito com o que está no mundo mas com o que está no seu próprio contexto, o da Arte.

Como professor, me senti na obrigação de tentar encontrar um meio de facilitar a compreensão do que se pode entender por Arte. Seguindo o raciocínio aqui explicitado, recorri a três aspectos distintos e necessários para a compreensão da Arte: ela é humana e só existe ao ser manifesta/expressa segundo critérios e valores estéticos.
Deste modo pude formular uma explicação capaz de reduzir um conceito complexo em uma só frase:
"Arte é a manifestação estética da humanidade".

Embora pareça uma afirmação tautológica, comporta uma explicação plausível e, por meio dela, é possível abordar o que é Arte, pelo menos no contexto acadêmico e pedagógico com o qual lido.
Acredito que ela ajude a entender o conceito de Arte, pois não há dúvida de que a Arte só existe por meio de sua manifestação aos sentidos; também não há dúvida de que uma manifestação artística para ser assim compreendida, deve ocorrer a partir de proposições de caráter estético ou, pelo menos, com ele dialogar; o terceiro ponto é constatar que só o ser humano é capaz de produzir Arte já que os outros animais ou seres vivos não são capazes de se expressar esteticamente dentro ou fora da Arte já que não se comportam volitiva ou conscientemente com tal intenção.

Grato pela leitura, espero que tenha ajudado a melhor entender o contexto da Arte Visual, agradeço o  compartilhamento, obrigado.