REFLEXÕES – A formação em Arte Visual: geração espontânea ou projeto de ensino?

Aquarelle, foto digital, Isaac.
Há alguns dias, participei de uma reunião na qual surgiu uma questão extremamente importante: A Formação em Arte Visual. Como docente de carreira e com uma trajetória de mais de quarenta anos nesse universo, acredito ter vivenciado essa questão sob diferentes óticas então não posso deixar passar em branco uma oportunidade como essa, assim resolvi tomar este tema para mais uma Reflexão.

Já coloquei em discussão, nesse ambiente, vários aspectos pertinentes à existência da Arte Visual desde as concepções, teorias e hipóteses sobre seu surgimento, até sobre sua trajetória social e formativa e mesmo sabendo que muitas pessoas que percorrem os ambientes virtuais nem sempre têm tempo, interesse e, tampouco, paciência para ler algo que vá além de 15 segundos eu sempre me pergunto: Porque continuo fazendo isto?  A resposta ou justificativa que me mantém animado para continuar produzindo algo “inútil” é o seguinte: “Conhecimento é pra compartilhar”! Tenho adotado este lema para permanecer fiel ao propósito de compartilhar informações, embora tenha sempre a sensação de estar “chovendo no molhado”...

A Arte é um campo de conhecimento! 
Já afirmei isso anteriormente, mas quero deixar essa afirmação bem clara, pois o desdobramento dessa reflexão depende desse pressuposto mínimo.

Em 1996, defendi meu Mestrado em Educação na Universidade Estadual de Londrina com a dissertação: Vertentes para o Ensino em Arte Visual, publicada em livro pela EDUEL em 1997. Nada de mais se não tivesse dedicado este trabalho justamente à análise de como a formação nessa área havia se desenvolvido ao longo do tempo. Para abreviar: selecionei três Vertentes de formação: a do Artista ou Produtor; a do Especialista e a do Professor. Tais categorias foram usadas para identificar as áreas de produção de conhecimento e de constituição dos projetos pedagógicos nesse campo de ensino. Tal categorização pretendia clarear os modos como os currículos eram formatados para atender a estes diferentes propósitos.

Cabe ressalvar, entretanto, que há no “senso comum” uma concepção de que a existência da Arte Visual é algo espontâneo e subjetivo, ou seja, algo que aparece “por acaso” na humanidade e, por isso, não requer conhecimentos específicos. Esta concepção falaciosa não entende ou admite que a Arte seja um campo de pesquisa, de investigação, de experimentação nem que tenha uma base epistemológica nem que seja capaz de produzir teorias ou concepções próprias. Portanto, não depende de formação específica nem de ensino formal, é algo que “qualquer um” pode fazer, basta ser “auto-didata”, ter ou adquirir habilidades motoras e/ou imitativas para produzir imagens e pronto: ai está o artista.

Minha defesa caminha no sentido oposto e afirma que: A formação artística é essencial tanto quanto é essencial a formação nos outros campos do conhecimento considerados ou não “científicos”. Se a sociedade não admite a formação espontânea de engenheiros, médicos, químicos, físicos ou advogados, entre outras profissões em que o controle da qualidade ou do mercado limite o exercício profissional seria muita hipocrisia desconsiderar a especificidade do saber artístico.

A conquista pelo respeito ao Ensino da/na/em Arte, especialmente em nível superior em cursos de Graduação e de Pós-Graduação, é o resultado de um percurso recheado de lutas, de convencimento e de credibilidade para que a sociedade reconheça a presença e a importância da Arte no contexto social e cultural e não só como expressão ou apenas como um produto para ornamentação, espetáculo e entretenimento, mas principalmente como uma área de CONHECIMENTO.

Acredito ter deixado claro que a Arte é um campo de Conhecimento Específico e seu Ensino Formal uma condição essencial para sua preservação, aprofundamento, difusão e consolidação na sociedade contemporânea.

A preparação formal do Artista ou Produtor de Obras de Arte é uma das vertentes de seu Ensino.

Vale a pena voltar no tempo para apontar alguns aspectos do exercício da Arte, como compreendo, para argumentar em prol dos processos de formação nele envolvidos.
De novo: a Arte Visual surge na pré-história. Não se sabe, de fato, o que motivou o ser humano a criar as primeiras imagens. Admite-se que tivessem finalidades ritualísticas com fins propiciatórios, admite-se também que fossem manifestações de sua imaginação e fantasia. Independente das motivações que a determinaram, dependia de um fazer pragmático de base cognitiva e psicomotora que, pelo sim pelo não, passamos a chamar ou entender como Arte.

Pode-se dizer que, naquela época as manifestações artísticas eram espontâneas e decorriam de seu próprio aprendizado: pessoal, auto didático, portanto, informal. Este processo permaneceu assim por muito tempo. Na antiguidade tal habilidade ou artesania era aplicada na ornamentação dos palácios, templos e túmulos, o fazer dos artistas não se distinguiam de outros profissionais.

Na Idade Média, surgem as Guildas, corporações de ofício, que reuniam os profissionais em cada uma as diferentes áreas para organizar a prestação de serviço quanto à especificidade, qualidade e valores. Assim surgem as Guildas de Artistas. No entanto, a Guilda era uma associação profissional e não de ensino, o ensino era praticado nas oficinas dos artistas. O Mestre, normalmente o proprietário, assessorado pelos Oficiais que eram os profissionais habilitados para o exercício dos fazeres artísticos e os Aprendizes, auxiliares que eram iniciados neste campo dentro das próprias oficinas e durante muito tempo. Nesse sentido, a prática artística não era livre ou liberal, mas um trabalho corporativo e restrito aos Mestres, donos das oficinas.

A primeira mudança acontece no Período Moderno, com o Renascimento. A fundação das Academias de Arte a partir do século XVI. A primeira delas foi a Accademia di Disegno de Giogio Vasari, em 1562 em Florença; depois a Academia dos Carracci, Annibale, Agostino e Ludovico, em 1585, em Bolonha e a Accademia di San Lucca, de Frederico Zuccari, em 1593, em Roma. Depois começaram a aparecer em outros países da Europa culminando no surgimento das Academias de Belas Artes na França que acabou marcando a formação em Arte no Brasil, por consequência da vinda da Missão Artística Francesa no século XIX.
As Academias foram as primeiras instituições formais para o ensino de Arte Visual. O Projeto Pedagógico delas se baseava em um sistema rígido de ensino que tomava por base a cópia do mundo natural e no desenvolvimento de habilidades manuais. Em geral inspirados nos modelos greco-romanos, no desenvolvimento de estampas e ornatos, estudos de anatomia e modelo vivo, desenho geométrico e perspectiva, além de filosofia e história. Este projeto é consolidado pelas Academias de Belas Artes francesas que acabaram por  influenciar o ensino de Arte tanto na Europa quanto nas Américas e demais regiões do globo.
Como se sabe, este processo de ensino investia principalmente nas habilidades psicomotoras, na virtuose performática do fazer sobreposto à pesquisa e à invenção.

A segunda e grande mudança ocorre com o advento da Modernidade em fins do século XIX, quando os artistas se rebelam contra o modelo clássico e acadêmico tradicional e partem para a investigação, pesquisa e exploração de novos recursos materiais e novas proposições estéticas. Esta guinada é radical e estabelece o que se passou a chamar de Arte Moderna, Modernidade e, mais tarde, no século XX, de Pós-Modernidade.
Com tais mudanças surge outra questão: Como deve ser o Ensino neste novo campo de criação artística. O modelo tradicional e acadêmico não dá conta deste novo tempo e, ao mesmo tempo, não há um modelo e sim, muitos modelos, ou seja, muitos “ismos”. Os Manifestos e Movimentos que fazem surgir novas proposições poéticas não trazem em si novos projetos pedagógicos. O desenvolvimento social e industrial em curso demanda por novas proposições estéticas. O poder dominante não se conforma mais com o gosto burguês da aristocracia e da nobreza, portanto, é hora de mudanças.
O apelo mercantil e industrial instaura uma polêmica, a tendência do desaparecimento do artesanato na medida em que os produtos industriais não preservavam os fazeres manuais. Em defesa do artesanato surge, na Inglaterra, o Movimento Arts & Crafts que recorre à luta pela preservação das habilidades manuais no mercado de bens de consumo em oposição à produção industrial. Na Alemanha, acontece o oposto: surge a Escola Bauhaus que pretende e tem por meta criar uma relação interativa entre os Artistas e a Indústria. Nesse sentido, a artesania e a arte não seriam retiradas ou ignoradas nesse contexto, mas estariam integradas em um novo modelo.

Obviamente nem um nem outro saiu totalmente vitorioso deste processo. O Arts & Crafts se desdobrou com a companhia de Willian Morris, com o Art Nouveau, depois com o Artdeco que acabaram por “sair de moda”. A Bauhaus conseguiu traduzir a estética artesanal numa estética industrial, possibilitando o surgimento do Desenho Industrial e do Design contemporâneo.
Considero que o que restou deles foi o desdobramento de ambos numa situação alternativa que contemplou aspectos de um e de outro.

Estas circunstâncias deram margem ao surgimento de novos Projetos Pedagógicos. No Brasil, o primeiro deles foi o dos cursos de Artes Plásticas que substituíram os cursos de Belas Artes, desagregados pelos movimentos Modernos do século XX, o segundo, Educação Artística e o terceiro, hoje vigente, de Artes Visuais. Com exceção da Educação Artística, destinada exclusivamente à formação de Licenciados, os dois outros possibilitavam tanto a formação de Licenciados quanto de Bacharéis.
De modo geral os projetos pedagógicos destes cursos contemplam disciplinas de formação conceitual e pragmática, tanto no contexto da Arte quanto no do Ensino. As Disciplinas de formação conceitual se concentram nas Teorias que dão amparo ao conhecimento da Arte como História, Estética e outras correlatas que possibilitam ampliar a compreensão, análises e relações com os demais campos do conhecimento. As pragmáticas assumiram a condição de Oficinas, antes nomeadas de Ateliers no ensino tradicional. Embora o conceito de Oficina fosse herdado do Movimento Arts & Crafts e da Bauhaus, no contexto atual são chamados de Laboratórios, de um modo ou de outro são destinados à introdução, exercício, investigação e desenvolvimento de práticas artísticas e de suas poéticas.

Agora, chamo a atenção para o fato de que estes novos modelos, mesmo que se dediquem à formação de Bacharéis, contemplam não só a formação prática, ou seja, as habilidades e domínios psicomotores, mas também os domínios cognitivos e, simultaneamente, a experimentação, inserção, convivência e desenvolvimento de processos poéticos. Considero que tais projetos são capazes de promover a formação de pessoas mais integradas às condicionantes sociais vigentes já que dialogam com os dois ambientes: o da práxis artística e o do conhecimento artístico. O Artista ou Produtor artístico contemporâneo, como um investigador ou pesquisador em potencial, não pode prescindir da base conceitual, histórica e filosófica, tanto quanto, não pode prescindir também do exercício e da experimentação estética e pragmática das poéticas expressivas com as quais dialoga, lida e convive.

Neste momento posso destacar a segunda vertente: a de formação do Especialista em Arte Visual. Chamei de Especialista ao profissional, egresso dos cursos de Artes Plásticas, Educação Artística ou Artes Visuais, que opta por se dedicar aos estudos, investigação e pesquisas para o desenvolvimento e aprofundamento dos estudos sobre Arte Visual como objeto de estudo enquanto campo de Conhecimento.  O diferencial é que, esta pessoa, opta por não exercer os fazeres pragmáticos das poéticas artísticas, mas se dedica aos seus desdobramentos teóricos e conceituais. Nesse caso, tais profissionais, podem atuar no Sistema de Arte nos segmentos não expressivos, mas tão importantes quanto.
São estes profissionais que atuarão como Curadores, Gestores, Críticos, Pesquisadores, Investigadores, Administradores em instituições de Arte Visual públicas ou privadas, bem como, no contexto comercial como galerias e casas leiloeiras. 

Considerei a terceira vertente como a do Professor, ou seja, o profissional que atua no campo do Ensino, neste caso, no Ensino em Arte. Note-se a preposição em e não de. Esta diferenciação é necessária ao considerar que de implica em finalidade, ou seja, pode dar a entender, por exemplo, que se refere à formação do artista, ao passo que em, estabelece uma ideia de relação, de campo ou contexto, por isso a usei.
A formação do Professor, ou seja, do profissional que se dedica ao Ensino no campo da Arte Visual se dá em dois níveis. O primeiro é o graduado e o segundo, pós-graduado. A graduação é realizada dentro em instituições de Ensino Superior em cursos de Licenciatura em Educação Artística, Artes Plásticas ou Artes Visuais. Esta formação prepara o profissional para atuar no Ensino Fundamental e Médio.
A pós-graduação também é realizada em instituições de Ensino Superior em cursos de Aperfeiçoamento, Especialização, Mestrado e Doutorado, neste caso, tais profissionais podem atuar no Ensino Superior, desde que possuam Mestrado e/ou Doutorado.
Cabe destacar que o profissional que atuará no ensino fundamental e médio deve frequentar disciplinas de caráter didático/pedagógicas constantes das estruturas curriculares dos cursos que o preparam. No entanto, para atuar em cursos de Nível Superior, não há qualquer referência à preparação didático/pedagógica para este exercício profissional. Um Bacharel pode realizar um Mestrado ou Doutorado para atuar como Professor no ensino superior de graduação e de pós-graduação sem qualquer formação pedagógica.
Embora isso seja estranho, é o que acontece no contexto educacional atual, nesse sentido, reforça-se a condição de que a o Bacharel em Arte Visual não se destina apenas à formação para a produção Artística, mas também para todas as demais áreas de atuação profissional disponíveis na sociedade.

Logo, os Projetos de Ensino na área de formação em Arte Visual devem contemplar as diferentes possibilidades existentes e emergentes, ampliando seus leques de atuação para corresponderem às expectativas dos estudantes e, principalmente, da sociedade na qual estão inseridos.

REFLEXÕES - Arte ou Artes?

Desenho a carvão e pastel sobre papel, Isaac.
Arte é um campo do conhecimento e, para mim, não há dúvida de que é um dos mais interessantes. Uma questão que sempre me incomoda é ouvir referências a ela no plural: Artes. Daí a dúvida, o que é melhor: Arte ou Artes?

Acredito que chanar de Artes seja resquício da tradição ao considerar a existência de vários tipos ou categorias de Arte: Maiores ou menores, liberais ou artesanais, aplicadas ou expressivas, marciais ou estéticas, portanto, tudo que recorresse ou identificasse uma certa habilidade no fazer era, genericamente, identificado como Arte. Arte culinária, Arte do futebol, enfim, ao tomar por referência o desenvolvimento, aplicação ou resultado de habilidades executivas, pode-se dizer que tudo é Arte.

Por outro lado, em outros campos do conhecimento, mesmo que tenham diferentes subáreas, não são assim entendidos: Não se fala em Biologias para referir aos seres humanos, aos animais, aos vegetais ou aos micro-organismos; Não se fala em Químicas quando se à Química Orgânica ou Inorgânica; Tampouco se chama de Físicas, quando se fala das diferentes teorias ou aos seus campos da estudo, que são muitos, como a Termodinâmica, Mecânica, Ondulatória e Acústica, Ótica ou Relatividade. Não se fala também de Geografias, mas sim em vários recortes de abordagem sobre ela, seja sobre a terra, Geografia mesmo ou sobre os astros, a Geografia Astronômica ou ainda sobre os seres humanos: Geografia Humana, sem preocupação com uma ou várias geografias.

Tomando por princípio que a Arte é também um campo de conhecimento, parece mais apropriado se referir a ela no singular e não no plural, Arte e não Artes. Obviamente os conservadores de plantão podem discordar e argumentar contrariamente evocando, com já disse, a tradição que sempre se refere a ela no plural e recorrerão aos argumentos também aqui apontados relacionando tais argumentos à tradição que distinguiam as Artes Maiores das Menores, considerando Maiores a Arquitetura, a Pintura, a Escultura, por exemplo, e Menores todas os modos de artesanato ou utilitários. As Maiores eram também chamadas de Liberais, que dependiam da idealização e cognição, evocando a Escolástica Medieval na qual se referiam às profissões ou "Artes" dos homens livres que eram educados segundo o Trivium -Lógica, Gramática e Retórica e o Quadrivium - Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Menores também chamadas de Artes Mechanicae, ou Mecânicas que se referiam à produção, em geral destinada aos escravos, como a realização de objetos utilitários, adereços ou simplesmente à repetição e reprodução. Assim o plural entrou na História da Arte. Bons argumentos, que justificam tais explicações, mas não facilitam a compreensão de sua essência estética, conceitual e poética.

Para tentar explicar, temos que recorrer aos ensinamentos de alguns autores que destacaram a Arte sob um olhar restritivo, ou seja, menos especulativos. Alexander Gotlieb Baungartem, em 1750-58, ao publicar seu livro: Estética, a toma a abordagem sobre a Arte como científica e não apenas filosófica, trazendo um novo olhar sobre as questões da essência da Arte. Mais tarde,  Benedetto Croce, em seu Breviário de Estética, de 1946, reivindica, a autonomia da Arte como forma de conhecimento autônomo, específico intuitivo e expressivo, oposto à lógica e à racionalidade positivista e distingue forma e conteúdo e não se refere a ela no plural, mas no singular. Definí-la como autônoma e campo de conhecimento induz ao entendimento, ao meu ver, de que é una e indivisível.

Para justificar essa posição é necessário admitir e reforçar o pressuposto elementar de que a Arte é um todo, único e indivisível e que se distingue a partir de suas manifestações. Tais manifestações, elas sim, são distintas e muitas, mas partes de um todo. Deste modo é possível justificar que a Arte é uma só mas que suas manifestações ocorrem em Campos e Modalidades diferentes, mesmo que sua essência expressiva seja uma só.

Para melhor entendimento podemos categorizar estes Campos e Modalidades. Portanto, vamos chamar de Campo ao contexto fenomenológico no qual a manifestação ocorre: Visual, Sonoro, Cênico, Literário e Audiovisual. Por Modalidades podemos chamar as subcategorias nas quais ocorrem as manifestações, organizando-as de acordo com as Qualidades Sensíveis necessárias à sua realização e/ou apreensão e sua transformação em Substâncias de Expressão.

Neste caso é possível agrupar sob o campo Visual as manifestações tradicionais como o Desenho, a Pintura, a Escultura, a Gravura e as mais recentes como a Fotografia e os demais meios de configuração visual que utilizam as Qualidades Sensíveis da visão.
No campo Sonoro, em termos de Arte, só é possível nos referir à Música já que é a única modalidade que se ocupa exclusivamente das Qualidades Sensíveis do som.
Como campo Literário, pode-se destacar as manifestações estéticas que se utilizam das Qualidades Sensíveis da fala e do verbo como, por exemplo, a poesia, o romance e demais modalidades escritas destinadas à produção estética.
No campo Cênico, pode-se entender as manifestações que ocorrem no contexto cênico cujas Qualidades Sensíveis recorrem ao corpo, ao gesto, ao movimento e sua relação com o espaço cênico e sua constituição.
Pode-se destacar ainda, dentro destes campos, modalidades sincréticas, ou seja, aquelas que reúnem mais de uma subcategoria em uma mesma expressão como é o caso, cinema, do vídeo ou do audiovisual, que se valem de imagens, movimento, som, texto na consecução de um mesmo fim ou objetivo estético. O sincretismo admite, numa mesma modalidade, o uso qualidades sensíveis ou substâncias expressivas para a realização de uma só manifestação estética.

Qualidades Sensíveis são as manifestações fenomênicas do mundo natural como a Luminosidade, Espacialidade e Temporalidade que, para serem interpretadas e transformadas em manifestações estéticas e que dependem de observação, interpretação, manipulação, tratamento e organização. Na medida em que  tais qualidades são "operadas" sofrem ressignificação e se tornam Substâncias de Expressão na medida em que servem às estratégias discursivas para realização de Obras de Arte.

Quando o ser humano pré-histórico observou os animais que circulavam no seu meio ambiente e dos quais dependia para sua sobrevivência, apreendeu suas Qualidades Sensíveis como formato, volume, movimento, cor, textura e demais aspectos que os distinguiam das outras coisas do mundo e, a partir disso, interpretou tais qualidades por meio de sua cognição e deu a elas a condição de Substância de Expressão.
Assim a Luminosidade é interpretada de dois modos: como variações de intensidade, luz e sombra, chamadas de variações ou gradações tonais e de frequência, como as cores obtidas da percepção ótica do mundo, criando imagens artificiais que se referiam ao que via; A espacialidade interpretada como horizontalidade, verticalidade, diagonalidade e profundidade, representadas como acima, abaixo, lateralidade e distância configurando o espaço virtual da imagem. A temporalidade, muito difícil de interpretar... o mundo natural é constituído pelo movimento, pelo deslocamento no espaço. As coisas se movem e também nos movemos, mas não é fácil representar ou reproduzir isto em imagens planas, fixas em superfícies, logo, reproduzir o efeito de movimento na Arte demorou bastante, praticamente, até o século XIX, para que as imagens pudessem imitar o movimento das coisas.
Assim configuramos a Arte Visual: por meio de Substâncias Expressivas apropriadas do mundo e interpretadas como formas, texturas, volumes, dimensões, cores, sombras e luzes...
O mesmo podemos dizer da Música. As Qualidades Sensíveis do som são interpretadas como Substâncias Expressivas na medida em que tais sons são reinterpretados a partir de suas qualidades como frequência, volume, duração, timbre e seus usos como percussão, ritmo, melodia, harmonização e outras Estratégias Expressivas desenvolvidas pelas manifestações musicais que conhecemos.
Na Literária, as Qualidades Sensíveis são obtidas originariamente da expressão vocal que deu origem a fala e depois sua sistematização em linguagem e na escrita. Assim tais qualidades se tornam Substâncias de Expressão na medida em que se usa a Palavra Escrita como manifestação com o fim de produzir efeitos estéticos, Arte, por assim dizer.
No campo cênico, são utilizadas como Substâncias de Expressão, o corpo, o espaço cenográfico, o movimento, a gestualidade adicionando cenários, iluminação, coreografia, sonoplastia e outros meios para criar efeitos de sentido de presença performática na atuação, interpretação ou dança.
No campo do Audiovisual, todas as outras modalidades vão contribuir para a produção dos efeitos de sentido de realidade, sugestão, ilusão ou virtualização capazes de mobilizar mais sentidos do que as demais modalidades expressivas.
É necessário entender ainda que estas Modalidades não são estanques, podem ser utilizadas de modo Híbrido, ou seja, uma se apropria de outra para produzir outros efeitos de sentido como, por exemplo, objetos ditos Mix Média que associam alguns recursos obtidos da escultura, do movimento ou da pintura, até o estágio que dissemos Sincrético, no qual várias modalidades são usadas como forma ou meio de expressão como o Audiovisual.

Espero ter contribuído para sua reflexão sobre a controvérsia da distinção entre Arte ou Artes já que defendo a ARTE como campo de conhecimento e expressão Único e Indivisível...

Agradeço a leitura e seu compartilhamento, muito obrigado.

REFLEXÕES - O que isso quer dizer? Uma aproximação com a leitura da obra de arte visual.

Só para introduzir a postagem: 

Um de meus desenhos à carvão ou poderia dizer também: uma intervenção gestual, gráfico/expressiva, com carvão sobre papel. 
Desenho a carvão, Isaac.
Obras de Arte são criadas em várias poéticas usando vários meios expressivos. Neste caso recorro a um dos meios tradicionais, como o carvão e exploro suas características e qualidades plásticas como sua negrura, seu potencial de aceitar variações tonais indo do preto total, passando por uma infinidade de cinzas. A possibilidade de valorizar e destacar a textura revelada pela superfície em que é aplicado. Suas sutilezas e nuances plásticas, estimulam a criação e motivam a grafia e as tonalizações. Este é o lado da criação, uma espécie de leitura propositiva que orienta uma boa parte da criação artística. Por outro lado, muitas vezes as pessoas não sabem por onde começar a leitura ou melhor, a "descoberta" de uma Obra de Arte. Então vamos lá:

Quando alguém se depara com uma Obra de Arte, especialmente uma destas “modernas”, podemos esperar pela pergunta habitual: O que isso quer dizer? Aí sentimos aquele frio na espinha, um arrepio no corpo e uma vontade imensa de começar de novo, numa área mais amena, quem sabe física quântica? É nesse momento que se coloca em dúvida se a opção pelo ensino de arte foi uma boa escolha. Essa perguntinha capciosa desafia tanto os professores quanto os artistas que, nem sempre, conseguem ter na ponta da língua uma resposta pronta e acabada, tampouco satisfazer a curiosidade do interlocutor.

Na defensiva, a primeira tentação é contra-atacar, sapecar uma resposta tipo: Arte não significa, ela é!  Bela resposta... profunda não? Mas não resolveu nada, o inquisidor ficou na mesma, não aprendeu nada com isso. Para salvar nossa pele, podemos ainda sair pela tangente: Que tal o jogo de ontem? Quem venceu? Brincadeiras à parte, enfrentar a questão, apesar de tudo, ainda é a melhor saída. Para enfrentar com dignidade e galhardia esta pergunta, podemos recorrer a alguma estratégia, alguma chave de leitura, um modo, um meio, algum tipo de procedimento que facilite a aproximação com a obra de arte, uma abordagem que possibilite a apreensão dos sentidos propostos por ela.

A princípio precisamos entender que não existem fórmulas mágicas, em se tratando de arte visual, nosso acesso é feito necessariamente pela imagem, logo, esse primeiro acesso é da ordem do perceptivo, não há como ignorar isso. Podemos dizer, nesse caso, que a leitura é mediada pelo olhar, mas devemos esclarecer que esse olhar não é apenas uma decorrência do ato de ver, do enxergar, da pura percepção visual, é muito mais do que isso. É necessário saber olhar, esse é o ponto principal dessa discussão.

Mas, afinal, em que consiste esse saber olhar? De imediato podemos dizer que há uma espécie de educação do olhar que começa pela apreensão das qualidades sensíveis do mundo natural, mediante a fisiologia do simples enxergar até o ordenamento consistente, sistematizado e conseqüente desse olhar especializado-o a ponto de torná-lo um instrumento de trabalho. Este olhar implica numa atitude consciente e sistemática diante da Obra de Arte, que se estende além da apreensão sensível, isso requer o ordenamento de condutas e procedimentos que possam nos amparar, orientar e indicar caminhos que resultem na apreensão de valores, idéias e conceitos que se originam na obra de arte.

Tudo isso depende de um aprendizado específico. Essa educação do olhar nada mais é do que aquilo que chamamos de leitura e, nesse campo, de leitura estética que é, em última instância um modo de aproximação com as Obras de Arte. Entendemos a arte como a manifestação estética orientada mediante as diferentes poéticas que a humanidade criou ao longo do tempo, expressando seus valores mediante diferentes modalidades expressivas. Essas modalidades, ao serem operadas, produzem Obras de Arte e, cada uma delas se constitui num campo de ação específico, dependente de conceitos, habilidades e domínios próprios, cujos métodos, técnicas, substâncias e materiais são operados por cada uma delas.

Podemos aceitar que cada uma opere segundo uma estrutura própria, chamada de Poética, admitindo que há, em cada elemento constitutivo daquelas modalidades, essências e valores passíveis de serem constituídos em sentido, gerando significados. Mesmo que a Arte Visual seja a mantenedora de um dos meios de registro dos mais antigos da humanidade e ainda, um dos modos de interação e comunicação mais eficientes da sociedade em todas as épocas, ela não é redutível a um sistema convencional e padronizado de signos como o verbal.

Ao falarmos de pintura, por exemplo, estamos falando de algo simbólico ou imaterial e que remonta à pré-história, portanto, há uma tradição pictórica que ampara o próprio fazer. Assim, ao falarmos de leitura de Obras de Arte, devemos levar em conta que só podemos analisá-la mediante sua manifestação, por meio de sua presença na relação com quem a lê e no contexto e no tempo em que se encontra sem fazer parte do "espírito da época" em que foi criada. Outro aspecto que é necessário considerar é que a arte é uma manifestação volitiva, intencional, logo, é algo que emana de um querer e de um poder fazer que resultará num produto formal gerador de sentido. Isto é feito dentro de um sistema social e cultural que interage, queiramos ou não, com a produção das Obras de Arte e ainda de acordo com o artista que a produziu em sua época e seu lugar.

Presença e leitura em Arte Visual
Necessariamente o que nos atrai para a obra de Arte Visual é a sua presença, sua configuração/constituição imagético/espacial, suas qualidades sensíveis e plásticas percebidas, apropriadas, traduzidas ou simplesmente acessadas pelo "leitor". 
Sua presença e aparência dará as pistas sobre ela, seus sentidos, significados e funções "brotam" dela. São seus modos de ser e de estar no mundo que fazem com que signifique e faça sentido.
Na medida em que descobrimos e acionamos os meios e modos através dos quais elas são constituídas para produzir significação é que nos transformamos em leitores e, simultaneamente, seus co-autores ou reconstrutores.
Uma obra de arte só pode ser compreendida se pudermos reconstruir suas bases significativas, desde suas estruturas constitutivas até suas relações estéticas e sociais. Entender o caminho que ela percorreu até nós é também um modo de conhecer. É necessário considerar que, em relação às obras do passado, há que se considerar a transposição espaço/temporal para que possa compreender melhor as estratégias expressivas e de sentido.que foram acionados na sua realização e, assim, compreendê-la melhor.
Uma leitura histórica depende da capacidade de compreender o contexto em elas surgiram, de reconstruir seu percurso temporal e geográfico de sua criação até hoje. Esta tem sido a tarefa da História da Arte como também a da Sociologia da Arte. Compreende-la mediante sua situação histórica já é, sem dúvida, uma boa parte do que podemos considerar enquanto produção de sentido, pois é justamente a possibilidade de rastrear seus objetos, suas manifestações e monumentos, ao longo do tempo e dos lugares, dão acesso e revelam seu significado social.

Por outro lado, não podemos também perder de vista que a Obra de Arte, para existir, depende de um fazer, da organização de habilidades, instrumentos, meios e materiais para sua realização, logo, há componentes estéticos relevantes para sua compreensão, inclusive de estilo, tanto em relação a pessoa que a produziu, quanto ao período no qual foi realizada. Do mesmo modo, há que se considerar também os motivos que a geraram, se foi produzida ou orientada para o cumprimento de funções pragmáticas, simbólicas, culturais ou sociais.
Pode-se dizer, grosso modo, que a Obra de Arte é uma instância geradora de informação e que, boa parte dessa informação, pode ser obtida de sua presença e configuração. Enfim, as obras contém e mantém dados relativos à sua produção como também podem dar pistas, evocar ou revelar as condicionantes sociais de sua realização.

Até aqui apresentei questões gerais à respeito de possíveis abordagens de leitura de Obras de Arte Visual, contudo, ainda não "tirei o coelho da cartola", ou seja, aquele momento surpreendente em que o mágico faz surgir do "nada" um coelho...
Pensando pedagogicamente, que é minha sina e função, posso dizer que para "Ler" ou apreciar uma obra de Arte Visual é necessário adotar uma estratégia. 

Ao longo do tempo vários estudiosos, teóricos da Arte ou não, propuseram ou adotaram meios de análise e apreciação de obras segundo diferentes interesses e posturas, todos vinculados ao "espírito de seu tempo", ou seja, o que servia para eles, necessariamente, não serve para nós, embora, em termos de conhecimento, sejam essenciais para auxiliar-nos para a compreensão do todo. 
Posso antecipar que há muitas abordagens e, mesmo assim, ainda restam dúvidas sobre qual seria a melhor ou mais adequada delas. Obviamente, há aquelas que correspondem melhor a cada tempo e lugar, precisamos apenas escolher ou adotar a que melhor atende aos nossos interesses de conhecimento e correspondam ao que vemos e temos hoje.
Uma primeira questão que vale a pena destacar é o campo de abordagem do pensamento, leitura, apreciação e mesmo a crítica  sobre as Obras de Arte Visual, já que a maioria dos escritos sobre Arte se referem às manifestações visuais.

O primeiro e talvez o mais recorrente deles surgiu na Antiguidade, o da Filosofia. Por que digo isso? Simplesmente porque os primeiros leitores/apreciadores/comentadores foram os filósofos da antiga Grécia. Esses caras se metiam em tudo, não há, praticamente, nenhum campo do conhecimento que algum grego antigo não tenha colocado o bedelho.

Para alguns filósofos gregos, a questão da Arte estava diretamente vinculada à questão dos Valores: éticos, morais e à verdade, logo, não se referia a nenhum valor material. É o caso de Platão que considerava a Arte como uma manifestação Idealizada em busca de uma perfeição imaterial que se encontrava fora da natureza, no Mundo das Ideias: ao Bem como conduta moral correspondia ao Belo como conduta estética. Logo, encontrar essa perfeição era uma meta tanto do artista quanto do filósofo. Aristóteles, seu discípulo discorda e coloca a Arte no mundo natural e atribui ao artista a responsabilidade de operar a materialidade em busca de valores tangíveis pela aparência como a harmonia, o equilíbrio, a ordem e a simetria. Percebam então que para Platão o conceito de Belo era idealizado e para Aristóteles era vinculado à aparência.

No Medievo, os maiores estudiosos das manifestações artísticas foram os filósofos cristãos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, logo, a visão que tinham, não era necessariamente do mundo laico, mas sim religioso. Assim, para Santo Agostinho, a Arte devia representar valores como: Integridade ou Perfeição; Proporção ou Harmonia e Claridade ou Luminosidade. Para ele a beleza era, juntamente com a verdade e a moral, atributos divinos, logo, a Arte devia refleti-los, pensamento muito parecido com o de Platão. Para São Tomás de Aquino, a percepção de Belo se aproxima de Aristóteles ao admitir que o Belo é gerado pela apreciação do que nos parece agradável, portanto, há um pouco menos de “divindade” e mais materialidade em sua visão. 

O período Moderno vê surgir, no século XVIII, um dos pensadores mais lembrados por se dedicar a desvendar o valor da Arte por meio do Belo: Emmanuel Kant, filósofo alemão, vai dizer que o Belo é gerado pela sensação que causa o sentimento de prazer ou desprazer diante de algo, mas ao mesmo tempo diz que tal sensação não é objetiva, mas subjetiva, gerada pela imaginação da pessoa e não na Obra de Arte. Diz então que o Belo se refere ao juízo de Gosto, ou seja, se alguém gosta de uma obra é suscetível ao prazer. Há sensações paralelas e parecidas como gracioso, encantador e deleitável que constituem algo sublime. Nesse sentido, para ele, parece haver uma espécie de gosto universal que une todas as pessoas e assim o que é belo para um é também belo para outro, portanto, descartaria a individualidade e a subjetividade. Enfim, este era o modo como ele explicava a apreciação artística.

Ainda nesse tempo, George Hegel e depois Alexander Gotlieb Baumgarten, também alemães, vão considerar que a apreensão Estética se baseia na apreensão sensível, na Estesia e, a partir daí se constitui um processo de percepção dos valores nas Obras de Arte. Em 1750, Baumgarten edita o livro: Estética como ciência do belo e da Arte, assim o que era Filosofia, se torna Estética. Constituindo, então, o campo preferencial de abordagem da apreciação, conhecimento e estudo das manifestações artísticas desde então.

Embora o campo da Filosofia/Estética tenha tradição e respeito na comunidade de estudiosos da Arte, outros autores, de outros campos, passaram a abordar a Arte segundo outros critérios ou métodos.

Na transição do século XIX e XX, um dos autores que trará mais objetividade ao contexto da Historiografia da Arte é Heinrich Wolfflin, fundador da Teoria da Visibilidade Pura. Note-se que não falei agora em História, mas sim Historiografia. Vale esclarecer que a História se refere ao percurso no tempo e espaço de ocorrências e acontecimentos descritos, narrados pelos documentos tradicionais e a Historiografia se dedica, principalmente, aos próprios documentos como fontes primárias, no caso da História da Arte, se dedica às Obras de Arte como fonte de pesquisa e base de análise.

Para Wolfflin, as Obras de Arte devem ser analisadas a partir de sua configuração formal. A aparência e estilo que denotam, a maneira como revelam, por meio de sua organização estética, os sentidos e significações. Analisa as obras a partir de sua estrutura constitutiva, sua expressão/manifestação visual. Um de seus principais trabalhos é o que desenvolve na análise comparativa entre o Renascimento e o Barroco no qual define, em síntese, que o Renascimento é o triunfo do desenho, da racionalidade e o Barroco o triunfo da cor e da emotividade. Nesse sentido descarta as questões sociais como fonte de estudo e investe numa análise dos estilos.

Esta é uma grande mudança, corresponde também às mudanças que vão acontecer no contexto da produção artística como o advento da Modernidade que começa a se mostrar no século XIX e XX. 
Outra iniciativa, esta de caráter cultural, foi a criação do Instituto Warburg, por Aby Warburg em 1933, que investe até hoje em estudos sobre arte, etnografia, antropologia de modo interdisciplinar no intuito de analisar como a construção de imagens estão inter-relacionadas aos outros meios de conhecimento humanos. Estuda não só a aparência, o estilo, como queria Wolfflin, mas as questões de ordem simbólicas e místicas como fontes e conhecimento da história humana organizadas por Warburg em categorias como: Ação, Orientação, Palavra e Imagem.

Boa parte dos estudos oriundos do projeto de Warburg continuou por meio do trabalho dos pesquisadores que desenvolveram métodos de abordagem Formalistas ou Iconológicos para realização de seus estudos, alguns deles são: Ernest Cassirer, Ernest Gombrich e Erwin Panofsky. Foi Panofsky quem instituiu a abordagem Iconológica e Iconográfica: definiu a iconografia como estudo do tema ou assunto e a iconologia como o estudo de seu significado, sem dúvida um das melhores metodologias para os estudos em Arte Visual desde então. Em 1939 publica o livro: Estudos em Iconologia.

Nele estabelece três níveis de abordagem de uma Obra de Arte: Primário, aparente ou natural, no qual a obra é apreendida por meio de suas formas, assunto e aparência diretos; Secundário ou convencional, relacionado à cultura e à iconografia simbólica instaurada na sociedade; Significado Intrínseco ou conteúdo, considera os aspectos iconológicos, a configuração da obra em função dos aspectos técnicos, históricos, culturais fruto do ambiente social na qual ela surge. Este método é entendido como Formalista ou Iconológico no qual a análise parte da apreensão sensível da obra, sua configuração estrutural, até seus significados e conteúdos internos. É um dos procedimentos mais eficientes para análise da Arte Visual devido à abrangência e potencial.

Este é o método ao qual mais recorro, justamente por possibilitar o trabalho em diferentes níveis sem que um dependa necessariamente do outro, ou seja, não é necessário trabalhar os três níveis sucessivamente, pode-se optar pelo abordagem em cada um deles isoladamente, em função do que se quer apreender em relação a uma ou outra obra. Obras de caráter abstrato, podem ser analisadas no primeiro nível, enquanto que obras de caráter figurativo podem ser analisadas no segundo nível e ambas podem ser analisadas no terceiro nível.

Nessa linha de raciocínio me inspirei no método “Pnofskyano” e estabeleci um procedimento que considera apenas dois níveis, com vista a facilitar a abordagem: Perceptivo e Relacional.


Assim, o primeiro modo de aproximação considera  a apreensão direta, sob o aspecto perceptivo, dependente das qualidades sensíveis do mundo: Luminosidade (valores qualitativos da luz como intensidade e frequência), Espacialidade (valores espaciais como direções e dimensões) e Temporalidade (valores como deslocamento e distâncias) que, nas obras de arte visual são convertidos em qualidades plásticas e visuais como formas, cores, texturas etc. Estes elementos são, singularmente, referenciados ao mundo natural fenomenológico e capazes de produzir um rápido reconhecimento e imediata interpretação daquilo que estas obras apresentam como cor e forma, por exemplo. Além disso, podem manifestar idéias, valores, interesses, assuntos e temas dos quais as obras venham a se ocupar. 

Se, por um lado, é possível observar as qualidades sensíveis que a obra revela, por outro, é possível também identificar as coisas como são no mundo: pessoas, objetos, animais etc., enfim, tudo aquilo que é possível reconhecer pelo simples olhar, pela apreensão sensível é resultado desta relação imediata e estésica, ou seja, de uma Leitura Perceptual. Esta seria então, nossa primeira aproximação cognitiva com a obra, não é a única vertente de leitura, mas já é um bom começo. 
A partir de uma aproximação imediata pode-se empreender uma abordagem mediata ou Relacional,, ou seja, de relações e intermediações.

Se num primeiro momento já obtivemos diversos dados, qualitativos e temáticos, essa nova aproximação parte do pressuposto de que os valores e conceitos que amparam as Obras de Arte não são apenas da ordem do perceptivo, mas de diversas ordens cognitivas. Devemos trabalhar não só com o que é possível constatar do que vemos e observamos, mas também com relações inferenciais e dedutivas, uma Leitura Relacional. Faz-se, portanto, necessário destacar que, nesse segundo momento, a aproximação depende de uma análise mais acurada, ou seja, do entendimento de que as obras de arte, além de viverem das suas formas e configurações intrínsecas à sua própria índole, vivem também da relação dos elementos que são extrínsecos a ela no contexto social e cultural nos quais existe e com os quais dialoga.

Nesse caso, estaremos contrapondo à leitura estésica preliminar, uma segunda leitura pode se iniciar a partir de sua imagem relacionando-a com os demais conhecimentos histórico/artísticos e estéticos que lhe são específicos, ou seja, aqueles que posicionam a Arte na cultura como um meio de apresentar o mundo e de estar no mundo promovendo Análises Comparativas. Assim, as obras, além de serem vistas por suas qualidades e pelas propriedades sensíveis são, ao mesmo tempo, vistas pelo que elas significam no contexto sócio/cultural, é desse modo que são estabelecidas as relações com seus autores, estilos, escolas, movimentos e demais características que as colocam num patamar de leitura interdisciplinar.


As duas imagens que vemos trazem características plásticas e temáticas diferentes. A da esquerda é de Leonardo da Vinci, a famosa e inconfundível Mona Lisa, de 1503, e a da direita de Picasso, Mulher chorando, de 1937. São duas imagens figurativas, embora realizadas de modos completamente diferentes, tomam um mesmo tema: uma figura feminina.
Leonardo nos mostra uma mulher que posa e olha discreta e diretamente para o espaço que se desdobra diante dela. 

Podemos reconhecer nela a figura humana e a paisagem, a aparência geral da imagem tende ao naturalismo. Os elementos plásticos são organizados dentro de uma projeção visual ótica de tal modo que nada possa ser confundido, misturado ou complicado e a maneira de fazer a pintura também não nos estranha, já que a imagem se parece com o que estamos habituados a ver num retrato: alguém, em primeiro plano, que posa diante de um cenário que nos olha e se dá a ver. 
A imagem de Picasso é também um retrato feminino, uma pessoa também em primeiro plano. Nesse caso a configuração visual da imagem não corresponde ao que estamos habituados a ver no mundo natural. A imagem se quebra, deforma, distorce, no entanto, a figura revela tensão e esta tensão é mostrada pela forma como a imagem foi criada. As quebras, cortes e deformações tendem a produzir uma sensação de mal estar. O choro revelado por linhas, estrias, que caminham dos "olhos" escorrendo pela face emula o sofrimento. Mas não são só as lágrimas, são os fragmentos, os cortes rígidos e angulares que ocupam a imagem e a desmancham e contorcem numa desfiguração tensa. O modo fragmentário da obra gera tensão emocional. 
Comparando as duas podemos dizer que a de Da Vinci é mais contemplativa e a de Picasso nos parece mais afetiva na medida em que requer uma participação maior de análise para a compreensão do todo. 
Se tomarmos o percurso das questões históricas vamos recuperar informações das poéticas que ampararam o Renascimento Italiano e do Cubismo.Vamos descobrir que cada um desses momentos artísticos propunha modos de compreender e revelar o mundo e, conseqüentemente, modos diferentes de produzir sentido e significação embora as duas sejam Obras de Arte relevantes no contexto histórico, cada uma tem sua própria história... 

Mas essa é uma outra história..
Agradeço a leitura e o compartilhamento.

REFLEXÕES - Belas Artes, Artes Plásticas, Arte Visual: o que são elas?

No campo da Arte é comum ouvirmos falar em Belas Artes, Artes Plásticas e Artes Visuais, contudo, nem sempre, temos uma compreensão clara do que elas significam. A questão não é apenas de nomenclatura, mas conceitual.


O conceito de Belo surge na antiga Grécia com um ideal estético e se torna um valor para a cultura ocidental desde então. Em termos de valor era parte de uma ordem filosófica de caráter ético tanto quanto o bem. O bem, entendido como valor moral e o Belo entendido como valor estético se torna um referencial idealizado para a Arte, mas também se desdobra em processos técnicos e plástico-visuais relacionados, não só ao ideal, mas à aparência das coisas e difundido como beleza, bonito, agradável, gracioso, harmônico, equilibrado entre outras configurações formais que se tornam um modelo, um estilo, tão cultuado quanto a estilização esquemática da Arte Egípcia, que não teve a mesma importância e difusão cultural como a greco-romana. À esquerda, cópia romana da Venus de Knidos do escultor grego Praxíteles; à direita, cópia romana do Doríforo, do escultor grego Policleto.
Ambas originárias do período grego clássico, no qual o Belo Ideal era praticado como modelo de referência estética. É importante também dizer que Belo não se opõe a o "feio", é um conceito antes de ser um adjetivo...
A importância da cultura grega foi mantida e difundida pelos romanos que, por conta da dimensão de seu império, conseguiu implantar este mesmo valor em suas colônias. Assim o modelo de arte greco-romano, assumiu uma importância sem precedentes na cultura e história do mundo ocidental. Valores esses adotados como referência na tradição clássica, desde os gregos. Falar em Belas Artes é recorrer a um modelo dominante da arte da antiguidade que foi retomado e reciclado na Idade Moderna, pelo Renascimento e se tornou o projeto pedagógico da tradição clássica nas academias do Renascimento ao Neoclássico.
O termo Belas Artes se refere, então, ao modelo de ensino acadêmico que vigorou até o século XIX, por sua vez baseado no modelo clássico de origem greco/romano que inspirou o Renascimento. As Academias de Arte surgem na Itália, no século XVI: A primeira delas foi a Accademia di Disegno de Giogio Vasari, em 1562 em Florença; depois a Academia dos Carracci, Annibale, Agostino e Ludovico, em 1585, em Bolonha e a Accademia di San Lucca, de Frederico Zuccari, em 1593, em Roma. Depois começaram a aparecer em outros países da Europa culminando no surgimento das Academias de Belas Artes na França que acabou marcando a formação em Arte no Brasil, por consequência da vinda da Missão Artística Francesa no século XIX.
As academias foram as primeiras instituições destinadas à formação artística. Antes disso, a preparação para o exercício artístico era superposta aos serviços e realizada nos mesmos locais onde as obras ficariam ou nas oficinas dos artistas. O Mestre, normalmente o proprietário da oficina era o responsável pela idealização e concepção das obras, os Oficiais eram responsáveis pela execução das obras auxiliados pelos Aprendizes. O controle sobre a produção das obras quanto à qualidade, normatização e preços era realizado pelas Guildas: as antigas corporações de ofício que surgiram na Idade Média e reuniam artesãos das diferentes classes de serviços.
O processo pedagógico adotado pelas academias era baseada em um sistema rígido de ensino que tomava como base a cópia e as habilidades manuais. Em geral praticada a partir de modelos greco-romanas, do desenvolvimento de estampas e ornatos, estudos de anatomia e modelo vivo, desenho geométrico e perspectiva, além de filosofia e história.
A meta desse ensino era, de um lado, a aproximação com os mestres clássicos do Renascimento italiano como Rafael, Michelangelo e Botticelli, por exemplo, por outro uma tentativa de criar um aparato técnico intelectual que tirasse a arte do contexto do mero artesanato.
Em 1664, em Paris, é criada a Académie de Peintre et de Sculpture que tenta romper com o modelo de ensino anterior. Nela, a associação livre, dava a cada um dos participantes iguais direitos e não se submetiam a um mestre em especial, como era o caso das academias tradicionais. Com a ascensão de Napoleão ao poder, esta academia passa a ser uma escola de Arte oficial estatal, muda suas diretrizes e o nome de Academie Royale des Beux-Arts, depois, École de Beux-Arts de Paris.
Dessa escola é que vêm os professores da Missão Artística Francesa, trazida em 1816 por D.João VI, cujo trabalho culmina na criação da Academia Imperial de Belas-Artes, em 1826, no Rio de Janeiro, depois chamada de Escola Nacional de Belas-Artes a partir da proclamação da república. Essa escola foi a matriz das demais escolas de Belas Artes que surgiram por todo o país propagando aquele modelo extemporâneo de ensino. Hoje, o prédio daquela escola, no Rio de Janeiro, abriga o Museu Nacional de Belas Artes.
Com o advento da Modernidade, as propostas investigativas inauguradas pelos Modernistas mudaram o perfil estético da arte na contemporaneidade, rompendo com o modelo da tradição clássica, hoje, diríamos que Belas Artes é um conceito e um procedimento anacrônico.

Quanto ao conceito de Artes Plásticas, vamos começar pelo termo plástico que também tem origem na antiga Grécia. Vem de Plastikós, cujo sentido se refere à característica da argila que, ao ser modelada, aceita as transformações impostas a ela, é um material dócil e manipulável, portanto, atende aos procedimentos, interesses e imaginação do artista. Neste sentido é um termo adequado para se referir a um contexto criativo no qual a criação não se baseia mais num modelo ou padrão, mas às proposições artísticas adotadas por cada um dos autores. Assim, o termo Plástico se refere a tudo que dependa de manipulação, da ação exercida sobre um dado material que obedece e atende aos interesses estéticos e expressivos assumindo formas e sentidos convencionais ou não. Logo, todos os materiais capazes de se tornarem substâncias expressivas e assumirem formas e relações impostas ou propostas pelo artista são chamados de plásticos.

A escultura à esquerda é de Medardo Rosso, a da direita é de Edgard Degas, ambos escultores modernos. Nota-se que as imagens, mesmo sendo figurativas, não se configuram como naturalistas, mas exploram o material, as texturas e a expressividade, ao contrário da interpretação clássica tradicional.

Podemos compreender sob o conceito de Artes Plásticas uma mudança de concepção estética que opera a partir de modos de expressão que tem como base de trabalho a superfície (ambiente bidimensional) e o volume (ambiente tridimensional), sendo que na superfície podemos falar em expressão gráfica incluindo o desenho, gravura e de expressão pictórica, a pintura; quanto ao volume, podemos falar das poéticas que operam no espaço circundante por meio dos volumes, como a modelagem a escultura, construções, montagens ou assemblages.

Um aspecto importante para o entendimento do que é Plástico, é compreender que o exercício pragmático da criação depende também do domínio de habilidades motoras para o manuseio de certos instrumentos e ferramentas na relação com os materiais e suportes, mas também da investigação e experimentação de novas técnicas, materiais e soluções plásticas.
Nos trabalhos em superfície, como por exemplo, no desenho, pode-se dominar o uso de instrumentos como o lápis ou da caneta, na pintura, pode-se também dominar o uso dos pincéis e das tintas; na gravura dos instrumentos de corte e incisão para gravar matrizes em madeira (xilogravura), no metal (gravura em metal) ou na pedra (litogravura), além da necessidade de conhecer os meios de impressão. Nos trabalhos em volume pode-se dominar habilidades, técnicas, instrumentos e ferramentas, manuais ou automatizados para a modelagem e o corte de materiais na construção tridimensional, sendo objetos, montagens, construções ou escultura como tradicionalmente é chamada. No entanto, todos estes procedimentos não dependem apenas do domínio técnico, mas de concepções e proposições conceituais que ampliam a capacidade criativa e, principalmente estéticas da Arte na contemporaneidade.

Cada um dos modos de fazer implica em técnicas, habilidades e concepções diferentes umas das outras, segundo cada uma das poéticas em que a expressão se dará. É comum a utilização do plural Artes Plásticas, embora o singular Arte Plástica fosse mais adequado segundo a linha de raciocínio que assumimos desde o início. Mas, por força do hábito, vamos manter a grafia como Artes Plásticas. Se pensarmos que chamamos de Artes Plásticas às obras que são produzidas no domínio das habilidades motoras, materiais e instrumentais. Tais procedimentos, trazidos pelo advento da Modernidade, instauram os procedimentos que passaram a ser entendidos num novo contexto: o da Pesquisa em Arte. Assim a Arte se torna também um campo de Autonomia criativa e de Conhecimento e não apenas uma prestação de serviço especializado na  reprodução, ornamentação, decoração e produção de bens vinculados ao gosto dominante.

Pode-se dizer que, até o século XIX, principalmente até o Neoclássico, a concepção artística era centrada nas habilidades motoras e cognitivas dos artistas que provavam sua eficiência plástica por meio da imitação do mundo natural. Suas habilidades eram comparadas ao que se via no entorno e, valoradas por este motivo. Além disso eram também valorados pela capacidade de reinterpretar os mitos, as alegorias, a tradição cultural e históricas do passado, poucas vezes, olhavam para o entorno e para as transformações em curso no mundo das imagens.

As transformações continuaram a ocorrer. No século XIX, surgem novos processos de lidar com as imagens, principalmente os meios de reproduzi-las. Vários  inventores buscam meios para tornar os processos de reprodução de imagens mais fáceis, rápidos e eficientes do que os meios usados pelos gravadores. A gravura em metal era um dos meios mais eficientes de reproduzir imagens. Uma das coisas exigidas pela indústria gráfica e pela imprensa nascente. Assim, as tentativas de reproduzir imagens faz surgir uma inovação: a Fotografia.

Produzir uma imagem por meio da luz, sem intervenção da mão, foi uma grande conquista, embora originalmente a fotografia não fosse eficiente como as gravuras e pinturas realizadas com extrema habilidade pelos artistas, passa a ser uma alternativa interessante para a reprodução e replicação de imagens, por isso, se expande.

A baixa qualidade técnica da fotografia é bastante criticada, Na imagem à esquerda, vemos uma Natureza Morta, em Daguerreótipo produzido em 1837, na qual a dificuldade em reconhecer os materiais, texturas e qualidades do mundo visível é precária. Em vista disso, seus produtores vão tentar aproximá-la da arte o que cria uma tendência estética chamada de Fotopictorialismo ou de Fotografia Pictórica, onde se pretendia fazer imagens fotográficas à semelhança das pinturas da época numa tentativa de qualificá-la como Arte.

Oscar Gustav Rejlander é um dos Fotógrafos/artista que se orienta no sentido de criar uma aproximação da fotografia com a pintura, e em sua obra: The Two Ways of LIfe, de 1857, cria uma alegoria, construída a partir de uma fotomontagem onde apresenta uma temática moral típica da época, o confronto entre o bem e o mal, abaixo:


Quando surge a Fotografia no campo da Arte os modos tradicionais também são colocados em xeque, Há que se encontrar novas estratégias produtivas e estéticas já que há diferenças substanciais entre os procedimentos tradicionais e os que começam a surgir. A fotografia, embora tivesse alguma semelhança com o desenho, a gravura ou pintura, não é nenhuma delas. A fotografia é produto de um aparelho ótico cuja imagem é registrada num suporte químico pela luz e depois processada quimicamente, passando a existir num suporte plano como num negativo, num diapositivo ou numa cópia. Hoje em dia a fotografia pode ser produzida em meio digital, mantendo ou não os procedimentos óticos originais.
Sabemos que os desenhos, gravuras ou pinturas são produtos das habilidades manuais dos artistas que operam diretamente sobre os materiais cujos registros são os mesmos materiais em que ele inscreve diretamente as imagens que cria, como no papel, na tela ou na madeira. A fotografia, por sua vez, não depende da ação manual do produtor, consequentemente, não apresenta marcas de manuseio, estilo ou o modo de fazer desse produtor, sejam traços ou gestos, portanto, é uma imagem "impessoal".
Em contrapartida, surge uma outra tendência estética no contexto fotográfico o Movimento Photosecession americano que busca consolidar a fotografia como uma poética própria, específica, à exemplo do Fotopictorialismo. O diferencial é que adota uma postura essencialmente "fotográfica", ou seja, não quer necessariamente se parecer com a pintura, mas inaugurar uma nova concepção estética, uma nova poética, essencialmente fotográfica.

Edward Steichen, um ex-litógrafo, se muda dos EEUU para Paris no intuito de seguir carreira artística. Participa do circuito de arte parisiense e conhece o escultor Rodin com o qual faz amizade. Em 1902, realiza uma fotomontagem, com obras de Rodin, usa dois negativos: um que mostra a escultura em homenagem ao escritor Vitor Hugo, ao fundo e, em primeiro plano, o próprio escultor "pensativo" e sua obra "O Pensador". Nesse caso a fotografia é entendida como um meio de expressão e a estrutura formal argumentativa e se mostra como uma nova concepção estética. Abaixo:


Aos poucos a tecnologia investida na produção de imagens por meio da luz, acaba vencendo e, no final do século XIX, a fotografia já é considerada um recurso importante, tanto para a reprodução, quanto para  produção de imagens, dai em diante só fez evoluir. Imagens tomadas e reproduzidas em sequência possibilitaram o surgimento do Cinema que, no século XX, se transformou no vídeo e depois nos meios e sistema digitais de captação, tratamento, reprodução e distribuição de imagens na atualidade.
Nesse caso chamar de Plásticas a estas imagens e a estes novos procedimentos parece não atender aos novos tempos, tampouco conceituar ou explicar o que se faz. Surge uma nova questão: como chamar às novas imagens que são feitas por meio de aparelhos que não dependem mais da ação direta sobre a matéria e não se utiliza de instrumentos ou ferramentas e nem da mão humana?

Há um outro problema com a fotografia: ela parece ser impessoal. A aparência e as marcas que aparecem na superfície fotográfica não são da mão de quem as toma, mas decorrentes das lentes e dos produtos químicos ou digitais que a constituem, portanto o conceito de Artes Plásticas também não dá conta das imagens produzidas por aparelhos, há que se encontra uma nova classificação.

Paralelamente, um outro fenômeno importante do século XX é o desenvolvimento a Mídia de produção, distribuição e difusão de informação -e imagens- que, usa e abusa das imagens, fixas ou em movimento, em vários suportes criando o universo da Comunicação de Massa de alto impacto social, o mundo da Visualidade começa a mostrar suas garras... No contexto da Arte, portanto, o conceito de Artes Plásticas já não é suficiente para explicá-la, assim surge o conceito de Arte Visual que toma por referência a visualidade como base de apreciação e acesso ampliando sua acepção incluindo tanto os processos de criação de imagens originários da tradição, da modernidade e da atualidade chamando a tudo, genericamente, de Artes Visuais.

 Pode-se usar como exemplo de conexão entre Artes Plásticas e Artes Visuais, dois auto-retratos do artista Chuck Close: à esquerda de 1968 e direita de 2007, dedicados à poética Hiper-realista na qual cria imagens em pintura com extremo naturalismo, muito próximo às imagens fotográficas e explora a estética da visualidade reconstruindo a imagem por meio de efeitos "óticos", supostamente digitais, embora sua poética a pictórica:

A ideia de Arte Visual se expande e passa a incorporar diferentes poéticas, tanto aquelas que pertenciam ao contexto das Artes Plásticas, quanto as novas imagens oriundas dos aparelhos como os fotográficos, os cinematográficos e suas decorrências eletro-eletrônicas como o vídeo e os sistemas Audiovisuais digitais de produção de imagens fixas ou em movimento, além disso costuma abranger também os procedimentos que adotam instalações, interações, intervenções, performances e os meios tecnológicos digitais de captação, tratamento e distribuição.
O conceito de Arte Visual acaba sendo um conceito "guarda-chuva" abarcando diferentes poéticas e novas proposições no contexto contemporâneo, embora a visualidade seja apenas um de seus elementos, as relações com a luminosidade, espacialidade e temporalidade passam a integrar, associadas ou separadas, as obras contemporâneas.

Enfim, com isto espero ter contribuído um pouco mais para a compreensão deste campo de estudo e conhecimento, agradeço a leitura e peço o compartilhamento.