REFLEXÕES - Belas Artes, Artes Plásticas, Arte Visual: o que são elas?

No campo da Arte é comum ouvirmos falar em Belas Artes, Artes Plásticas e Artes Visuais, contudo, nem sempre, temos uma compreensão clara do que elas significam. A questão não é apenas de nomenclatura, mas conceitual.


O conceito de Belo surge na antiga Grécia com um ideal estético e se torna um valor para a cultura ocidental desde então. Em termos de valor era parte de uma ordem filosófica de caráter ético tanto quanto o bem. O bem, entendido como valor moral e o Belo entendido como valor estético se torna um referencial idealizado para a Arte, mas também se desdobra em processos técnicos e plástico-visuais relacionados, não só ao ideal, mas à aparência das coisas e difundido como beleza, bonito, agradável, gracioso, harmônico, equilibrado entre outras configurações formais que se tornam um modelo, um estilo, tão cultuado quanto a estilização esquemática da Arte Egípcia, que não teve a mesma importância e difusão cultural como a greco-romana. À esquerda, cópia romana da Venus de Knidos do escultor grego Praxíteles; à direita, cópia romana do Doríforo, do escultor grego Policleto.
Ambas originárias do período grego clássico, no qual o Belo Ideal era praticado como modelo de referência estética. É importante também dizer que Belo não se opõe a o "feio", é um conceito antes de ser um adjetivo...
A importância da cultura grega foi mantida e difundida pelos romanos que, por conta da dimensão de seu império, conseguiu implantar este mesmo valor em suas colônias. Assim o modelo de arte greco-romano, assumiu uma importância sem precedentes na cultura e história do mundo ocidental. Valores esses adotados como referência na tradição clássica, desde os gregos. Falar em Belas Artes é recorrer a um modelo dominante da arte da antiguidade que foi retomado e reciclado na Idade Moderna, pelo Renascimento e se tornou o projeto pedagógico da tradição clássica nas academias do Renascimento ao Neoclássico.
O termo Belas Artes se refere, então, ao modelo de ensino acadêmico que vigorou até o século XIX, por sua vez baseado no modelo clássico de origem greco/romano que inspirou o Renascimento. As Academias de Arte surgem na Itália, no século XVI: A primeira delas foi a Accademia di Disegno de Giogio Vasari, em 1562 em Florença; depois a Academia dos Carracci, Annibale, Agostino e Ludovico, em 1585, em Bolonha e a Accademia di San Lucca, de Frederico Zuccari, em 1593, em Roma. Depois começaram a aparecer em outros países da Europa culminando no surgimento das Academias de Belas Artes na França que acabou marcando a formação em Arte no Brasil, por consequência da vinda da Missão Artística Francesa no século XIX.
As academias foram as primeiras instituições destinadas à formação artística. Antes disso, a preparação para o exercício artístico era superposta aos serviços e realizada nos mesmos locais onde as obras ficariam ou nas oficinas dos artistas. O Mestre, normalmente o proprietário da oficina era o responsável pela idealização e concepção das obras, os Oficiais eram responsáveis pela execução das obras auxiliados pelos Aprendizes. O controle sobre a produção das obras quanto à qualidade, normatização e preços era realizado pelas Guildas: as antigas corporações de ofício que surgiram na Idade Média e reuniam artesãos das diferentes classes de serviços.
O processo pedagógico adotado pelas academias era baseada em um sistema rígido de ensino que tomava como base a cópia e as habilidades manuais. Em geral praticada a partir de modelos greco-romanas, do desenvolvimento de estampas e ornatos, estudos de anatomia e modelo vivo, desenho geométrico e perspectiva, além de filosofia e história.
A meta desse ensino era, de um lado, a aproximação com os mestres clássicos do Renascimento italiano como Rafael, Michelangelo e Botticelli, por exemplo, por outro uma tentativa de criar um aparato técnico intelectual que tirasse a arte do contexto do mero artesanato.
Em 1664, em Paris, é criada a Académie de Peintre et de Sculpture que tenta romper com o modelo de ensino anterior. Nela, a associação livre, dava a cada um dos participantes iguais direitos e não se submetiam a um mestre em especial, como era o caso das academias tradicionais. Com a ascensão de Napoleão ao poder, esta academia passa a ser uma escola de Arte oficial estatal, muda suas diretrizes e o nome de Academie Royale des Beux-Arts, depois, École de Beux-Arts de Paris.
Dessa escola é que vêm os professores da Missão Artística Francesa, trazida em 1816 por D.João VI, cujo trabalho culmina na criação da Academia Imperial de Belas-Artes, em 1826, no Rio de Janeiro, depois chamada de Escola Nacional de Belas-Artes a partir da proclamação da república. Essa escola foi a matriz das demais escolas de Belas Artes que surgiram por todo o país propagando aquele modelo extemporâneo de ensino. Hoje, o prédio daquela escola, no Rio de Janeiro, abriga o Museu Nacional de Belas Artes.
Com o advento da Modernidade, as propostas investigativas inauguradas pelos Modernistas mudaram o perfil estético da arte na contemporaneidade, rompendo com o modelo da tradição clássica, hoje, diríamos que Belas Artes é um conceito e um procedimento anacrônico.

Quanto ao conceito de Artes Plásticas, vamos começar pelo termo plástico que também tem origem na antiga Grécia. Vem de Plastikós, cujo sentido se refere à característica da argila que, ao ser modelada, aceita as transformações impostas a ela, é um material dócil e manipulável, portanto, atende aos procedimentos, interesses e imaginação do artista. Neste sentido é um termo adequado para se referir a um contexto criativo no qual a criação não se baseia mais num modelo ou padrão, mas às proposições artísticas adotadas por cada um dos autores. Assim, o termo Plástico se refere a tudo que dependa de manipulação, da ação exercida sobre um dado material que obedece e atende aos interesses estéticos e expressivos assumindo formas e sentidos convencionais ou não. Logo, todos os materiais capazes de se tornarem substâncias expressivas e assumirem formas e relações impostas ou propostas pelo artista são chamados de plásticos.

A escultura à esquerda é de Medardo Rosso, a da direita é de Edgard Degas, ambos escultores modernos. Nota-se que as imagens, mesmo sendo figurativas, não se configuram como naturalistas, mas exploram o material, as texturas e a expressividade, ao contrário da interpretação clássica tradicional.

Podemos compreender sob o conceito de Artes Plásticas uma mudança de concepção estética que opera a partir de modos de expressão que tem como base de trabalho a superfície (ambiente bidimensional) e o volume (ambiente tridimensional), sendo que na superfície podemos falar em expressão gráfica incluindo o desenho, gravura e de expressão pictórica, a pintura; quanto ao volume, podemos falar das poéticas que operam no espaço circundante por meio dos volumes, como a modelagem a escultura, construções, montagens ou assemblages.

Um aspecto importante para o entendimento do que é Plástico, é compreender que o exercício pragmático da criação depende também do domínio de habilidades motoras para o manuseio de certos instrumentos e ferramentas na relação com os materiais e suportes, mas também da investigação e experimentação de novas técnicas, materiais e soluções plásticas.
Nos trabalhos em superfície, como por exemplo, no desenho, pode-se dominar o uso de instrumentos como o lápis ou da caneta, na pintura, pode-se também dominar o uso dos pincéis e das tintas; na gravura dos instrumentos de corte e incisão para gravar matrizes em madeira (xilogravura), no metal (gravura em metal) ou na pedra (litogravura), além da necessidade de conhecer os meios de impressão. Nos trabalhos em volume pode-se dominar habilidades, técnicas, instrumentos e ferramentas, manuais ou automatizados para a modelagem e o corte de materiais na construção tridimensional, sendo objetos, montagens, construções ou escultura como tradicionalmente é chamada. No entanto, todos estes procedimentos não dependem apenas do domínio técnico, mas de concepções e proposições conceituais que ampliam a capacidade criativa e, principalmente estéticas da Arte na contemporaneidade.

Cada um dos modos de fazer implica em técnicas, habilidades e concepções diferentes umas das outras, segundo cada uma das poéticas em que a expressão se dará. É comum a utilização do plural Artes Plásticas, embora o singular Arte Plástica fosse mais adequado segundo a linha de raciocínio que assumimos desde o início. Mas, por força do hábito, vamos manter a grafia como Artes Plásticas. Se pensarmos que chamamos de Artes Plásticas às obras que são produzidas no domínio das habilidades motoras, materiais e instrumentais. Tais procedimentos, trazidos pelo advento da Modernidade, instauram os procedimentos que passaram a ser entendidos num novo contexto: o da Pesquisa em Arte. Assim a Arte se torna também um campo de Autonomia criativa e de Conhecimento e não apenas uma prestação de serviço especializado na  reprodução, ornamentação, decoração e produção de bens vinculados ao gosto dominante.

Pode-se dizer que, até o século XIX, principalmente até o Neoclássico, a concepção artística era centrada nas habilidades motoras e cognitivas dos artistas que provavam sua eficiência plástica por meio da imitação do mundo natural. Suas habilidades eram comparadas ao que se via no entorno e, valoradas por este motivo. Além disso eram também valorados pela capacidade de reinterpretar os mitos, as alegorias, a tradição cultural e históricas do passado, poucas vezes, olhavam para o entorno e para as transformações em curso no mundo das imagens.

As transformações continuaram a ocorrer. No século XIX, surgem novos processos de lidar com as imagens, principalmente os meios de reproduzi-las. Vários  inventores buscam meios para tornar os processos de reprodução de imagens mais fáceis, rápidos e eficientes do que os meios usados pelos gravadores. A gravura em metal era um dos meios mais eficientes de reproduzir imagens. Uma das coisas exigidas pela indústria gráfica e pela imprensa nascente. Assim, as tentativas de reproduzir imagens faz surgir uma inovação: a Fotografia.

Produzir uma imagem por meio da luz, sem intervenção da mão, foi uma grande conquista, embora originalmente a fotografia não fosse eficiente como as gravuras e pinturas realizadas com extrema habilidade pelos artistas, passa a ser uma alternativa interessante para a reprodução e replicação de imagens, por isso, se expande.

A baixa qualidade técnica da fotografia é bastante criticada, Na imagem à esquerda, vemos uma Natureza Morta, em Daguerreótipo produzido em 1837, na qual a dificuldade em reconhecer os materiais, texturas e qualidades do mundo visível é precária. Em vista disso, seus produtores vão tentar aproximá-la da arte o que cria uma tendência estética chamada de Fotopictorialismo ou de Fotografia Pictórica, onde se pretendia fazer imagens fotográficas à semelhança das pinturas da época numa tentativa de qualificá-la como Arte.

Oscar Gustav Rejlander é um dos Fotógrafos/artista que se orienta no sentido de criar uma aproximação da fotografia com a pintura, e em sua obra: The Two Ways of LIfe, de 1857, cria uma alegoria, construída a partir de uma fotomontagem onde apresenta uma temática moral típica da época, o confronto entre o bem e o mal, abaixo:


Quando surge a Fotografia no campo da Arte os modos tradicionais também são colocados em xeque, Há que se encontrar novas estratégias produtivas e estéticas já que há diferenças substanciais entre os procedimentos tradicionais e os que começam a surgir. A fotografia, embora tivesse alguma semelhança com o desenho, a gravura ou pintura, não é nenhuma delas. A fotografia é produto de um aparelho ótico cuja imagem é registrada num suporte químico pela luz e depois processada quimicamente, passando a existir num suporte plano como num negativo, num diapositivo ou numa cópia. Hoje em dia a fotografia pode ser produzida em meio digital, mantendo ou não os procedimentos óticos originais.
Sabemos que os desenhos, gravuras ou pinturas são produtos das habilidades manuais dos artistas que operam diretamente sobre os materiais cujos registros são os mesmos materiais em que ele inscreve diretamente as imagens que cria, como no papel, na tela ou na madeira. A fotografia, por sua vez, não depende da ação manual do produtor, consequentemente, não apresenta marcas de manuseio, estilo ou o modo de fazer desse produtor, sejam traços ou gestos, portanto, é uma imagem "impessoal".
Em contrapartida, surge uma outra tendência estética no contexto fotográfico o Movimento Photosecession americano que busca consolidar a fotografia como uma poética própria, específica, à exemplo do Fotopictorialismo. O diferencial é que adota uma postura essencialmente "fotográfica", ou seja, não quer necessariamente se parecer com a pintura, mas inaugurar uma nova concepção estética, uma nova poética, essencialmente fotográfica.

Edward Steichen, um ex-litógrafo, se muda dos EEUU para Paris no intuito de seguir carreira artística. Participa do circuito de arte parisiense e conhece o escultor Rodin com o qual faz amizade. Em 1902, realiza uma fotomontagem, com obras de Rodin, usa dois negativos: um que mostra a escultura em homenagem ao escritor Vitor Hugo, ao fundo e, em primeiro plano, o próprio escultor "pensativo" e sua obra "O Pensador". Nesse caso a fotografia é entendida como um meio de expressão e a estrutura formal argumentativa e se mostra como uma nova concepção estética. Abaixo:


Aos poucos a tecnologia investida na produção de imagens por meio da luz, acaba vencendo e, no final do século XIX, a fotografia já é considerada um recurso importante, tanto para a reprodução, quanto para  produção de imagens, dai em diante só fez evoluir. Imagens tomadas e reproduzidas em sequência possibilitaram o surgimento do Cinema que, no século XX, se transformou no vídeo e depois nos meios e sistema digitais de captação, tratamento, reprodução e distribuição de imagens na atualidade.
Nesse caso chamar de Plásticas a estas imagens e a estes novos procedimentos parece não atender aos novos tempos, tampouco conceituar ou explicar o que se faz. Surge uma nova questão: como chamar às novas imagens que são feitas por meio de aparelhos que não dependem mais da ação direta sobre a matéria e não se utiliza de instrumentos ou ferramentas e nem da mão humana?

Há um outro problema com a fotografia: ela parece ser impessoal. A aparência e as marcas que aparecem na superfície fotográfica não são da mão de quem as toma, mas decorrentes das lentes e dos produtos químicos ou digitais que a constituem, portanto o conceito de Artes Plásticas também não dá conta das imagens produzidas por aparelhos, há que se encontra uma nova classificação.

Paralelamente, um outro fenômeno importante do século XX é o desenvolvimento a Mídia de produção, distribuição e difusão de informação -e imagens- que, usa e abusa das imagens, fixas ou em movimento, em vários suportes criando o universo da Comunicação de Massa de alto impacto social, o mundo da Visualidade começa a mostrar suas garras... No contexto da Arte, portanto, o conceito de Artes Plásticas já não é suficiente para explicá-la, assim surge o conceito de Arte Visual que toma por referência a visualidade como base de apreciação e acesso ampliando sua acepção incluindo tanto os processos de criação de imagens originários da tradição, da modernidade e da atualidade chamando a tudo, genericamente, de Artes Visuais.

 Pode-se usar como exemplo de conexão entre Artes Plásticas e Artes Visuais, dois auto-retratos do artista Chuck Close: à esquerda de 1968 e direita de 2007, dedicados à poética Hiper-realista na qual cria imagens em pintura com extremo naturalismo, muito próximo às imagens fotográficas e explora a estética da visualidade reconstruindo a imagem por meio de efeitos "óticos", supostamente digitais, embora sua poética a pictórica:

A ideia de Arte Visual se expande e passa a incorporar diferentes poéticas, tanto aquelas que pertenciam ao contexto das Artes Plásticas, quanto as novas imagens oriundas dos aparelhos como os fotográficos, os cinematográficos e suas decorrências eletro-eletrônicas como o vídeo e os sistemas Audiovisuais digitais de produção de imagens fixas ou em movimento, além disso costuma abranger também os procedimentos que adotam instalações, interações, intervenções, performances e os meios tecnológicos digitais de captação, tratamento e distribuição.
O conceito de Arte Visual acaba sendo um conceito "guarda-chuva" abarcando diferentes poéticas e novas proposições no contexto contemporâneo, embora a visualidade seja apenas um de seus elementos, as relações com a luminosidade, espacialidade e temporalidade passam a integrar, associadas ou separadas, as obras contemporâneas.

Enfim, com isto espero ter contribuído um pouco mais para a compreensão deste campo de estudo e conhecimento, agradeço a leitura e peço o compartilhamento.