REFLEXÕES - Figuração e Abstração: dois lados da mesma moeda?


Abstração - Desenho a carvão sobre papel / Isaac 
Figuração - Desenho a carvão sobre papel / Isaac
As duas imagens que expus acima, são de minha autoria, são desenhos a carvão e se referem a dois tipos de imagem: Abstratas e Figurativas, ou semi-figurativas. Minha preocupação é com a construção das imagens e os efeitos plásticos e visuais que elas provocam, independente do tema, assunto ou estilo. Vamos voltar um pouco atrás para falar disso.
O advento da Modernidade, desde o final do século XIX, colocou em discussão diferentes aspectos da arte visual, especialmente a aparência que as Obras de Arte assumiram a partir dali. Esta aparência pode ser analisada por meio de suas qualidades plásticas, ou seja, pelo modo como as substâncias expressivas, usadas na sua criação, são organizadas ou assumem um ou outro aspecto no âmbito de sua configuração.
Por meio dessa aparência é possível identificar seus autores, estilos, escolas, movimentos, conteúdos e ainda, por meio dela, é possível reconhecer, pelo menos, duas categorias aceitas e usadas para classificar, grosso modo, dois tipos de manifestação plástica: a Figurativa e a Abstrata.
Não é difícil reconhecer esses dois tipos: tudo aquilo que se parece ou faz referência ao que conhecemos no mundo natural é o que podemos chamar de figurativo e, ao contrário, tudo o que não se parece com o que podemos reconhecer no mundo natural, é o que podemos chamar de abstrato. Mas será que isto é suficiente para entender uma e outra categoria?



Para facilitar o entendimento vamos observar algumas imagens, iniciando por estas duas pinturas acima. A da esquerda é o Casamento da Virgem de Rafael Sanzio, a da direita é Composição VI de Kandinsky. Assim é mais fácil ainda reconhecer suas diferenças, vendo-as já nos sentimos especialistas. Mas será que isso basta? À Esquerda temos uma obra figurativa típica de um artista do Renascimento italiano, em que estão marcadas, naturalisticamente, as pessoas ali mostradas e também o espaço ótico definido pela perspectiva de ponto de fuga único. Isso tudo identifica bem aquilo que poderíamos chamar de obra figurativa.
À direita temos uma pintura que nos dá as características do abstrato, ou seja, não há referências às coisas que conhecemos no meio em que vivemos, apenas relações cromáticas, gráficas e texturas. Embora estas duas obras sejam suficientes para identificar, numa primeira aproximação, as duas categorias citadas, temos de admitir, ainda, que a questão é mais profunda. Pelo que podemos ver temos alguns problemas, agora as imagens não se parecem muito com aquilo que conhecemos. Embora possamos ver que tratam de pessoas, ambientes e coisas, não se parecem com as pessoas, com as paisagens ou as com as coisas que conhecemos e que fazem parte de nosso convívio.

Abaixo, no quadro da esquerda, a paisagem de Eric Heckel, é estranha, as cores e as formas parecem não fazerem parte desse mundo. Ao lado, temos uma obra de Karel Appel, nela vemos figuras que parecem se referir a pessoas e animais, embora sejam mais parecidas com um “alien” fugido de um filme de ficção científica.



Abaixo, vemos uma Natureza Morta de Morandi, que também não mostra nada que nos coloque em relação com o cotidiano. Qual é o problema?
É necessário entender que a arte tem a possibilidade de parecer-se ou não com as coisas do mundo. Principalmente, a partir do final do século XIX e do início do século XX, os artistas optaram por não revelar imagens do mundo, as pessoas, as paisagens ou as coisas como nós as conhecemos, isto não é o interesse de seu trabalho. Estabeleceram uma diferença marcante entre as coisas do mundo e as coisas da Arte e assim tem sido até hoje. Isto não quer dizer que a Arte tenha obrigatoriamente de se manifestar contrariando aquilo que conhecemos no mundo, mas este é um dos modos de dizer que mais têm sido utilizado pela expressão artística das últimas décadas.
Pode-se perguntar qual é o motivo de construir imagens que se opõem, distorcem, quebram, destroem aquilo que conhecemos? Não seria mais “bonito” se as obras fossem cópias do que conhecemos, fossem agradáveis, comportadas?
Para os artistas do Renascimento ou do Neoclássico, talvez fosse esse o objetivo: dar conta daquilo que viam no mundo e fazer com que as imagens artísticas refletissem isso com técnica e qualidade plástica. Mas este não é o caso de grande parte dos artistas que trabalharam a partir do Modernismo. Em troca da mimese do mundo, de sua imitação, os artistas optaram por criar, inventar, romper, reconstruir, refazer, reinterpretar, inclusive negando qualquer referência ao mundo que conhecemos, sem qualquer amarra à tradição. Assim podem trazer cargas emocionais tão densas que podem até incomodar e mesmo, constranger, há momentos em que essas cargas emocionais são mais densas e tendem a mostrar rupturas, inconformismo, insatisfação e serem até agressivas. Em outros mais líricas, suaves, leves e tranquilas, tudo faz parte da Abstração, das qualidades sensíveis e matéricas dos elementos que fazem parte da expressão artística contemporânea.
Considerando que o autor opera com um modo de expressão, o que eles têm para dizer, dizem por meio da imagem tornando as cores, nos traços, gestos, texturas em temas e assuntos e detalhes que mobilizam a atenção e envolvem o espectador.
Estes modos de dizer são próprios da Arte Visual e não precisam coincidir com nada do que vemos à nossa volta, não há mal nenhum em trabalharmos com imagens que não se parecem nada com a natureza, isso pode ser mais interessante do que simplesmente imitá-la. Pensem nisso!

Um comentário:

Raphael Alves disse...

Professor Isaac,
Trabalho maravilhoso o que o senhor desenvolve aqui por meio deste blog. Adorei as imagens produzidas pelo senhor, tanto as fotográficas (que são mais da "minha praia") quanto os desenhos e monotipias. Conto com sua "presença" em meus domínios na internet também. Conforme o senhor pediu, seguem os endereços.
www.aspalavrasmaissinceras.blogspot.com - esse de textos.
www.olhares.com/raphafa - nesse publico imagens e acredito que o snehor poderia fazer uma conta e publicar as suas. Além do site ser interessante seu trabalho cairia como uma luva por lá. Um abraço e acredito que trocaremos muitas idéias ao longo do curso (pós em Fotografia, só para lembrar).