REFLEXÕES - Curadoria: Mediações necessárias.

Projeto "EX LIBRIS", detalhe, Isaac, 2019.

Mediação é um termo usado para descrever a busca de equilíbrio em estados de conflito, usado no ambiente jurídico. No contexto da Arte Visual entende-se a Mediação como o processo de criar interação entre Obras e pessoas...
Não é simplesmente descrever ou explicar uma ou um conjunto de Obras, mas proporcionar, a quem aprecia, meios para que desenvolva sua própria capacidade de reflexão e análise. Obviamente não é um trabalho fácil, a Educação formal que temos não dá conta nem do básico, tampouco deste tipo de aproximação, esta foi a ideia da criação da disciplina de Educação Artística no primeiro e segundo graus de ensino na década de 1970 no Brasil, cuja falência nos levou ao estado de inanição estética em que vivemos hoje, ai é que entra a tal Mediação.

As transformações pelas quais a Arte Visual passou desde os primórdios da Modernidade em fins do século XIX até meados do século XX e, principalmente, a transição para a contemporaneidade instaurada pela Pós-Modernidade colocou novas questões sobre a Arte, seus procedimentos conceituais, pragmáticos e estéticos criando mais problemas do que soluções, tanto para os teóricos, pensadores e críticos quanto para as pessoas, coitadas, simples apreciadoras...
Mediação deixou então de ser um processo passivo e se tornou ativo: Não basta estar, tem que participar!

A busca pela "interatividade" motivada pelas novas proposições artísticas e pelo afastamento compulsório do público, fez com que as instituições passassem a se preocupar com a dificuldade crescente das pessoas em dialogar, se apropriar ou, no mínimo, assimilar dados, informações ou conceitos veiculados pelas Obras de Arte. Assim, as buscas por uma espécie de abordagem pedagógica sobre a Arte levou a criação, desde a década de 1970, de novos conceitos como Leitura Visual, Literacidade Artística, Comunicação Visual, Educação Estética, Educação Artística... e mesmo aos conceitos operacionais destinados a criar elos de ligação entre Obras e público como os de Curadoria, Projeto Expositivo, entre outros na tentativa de resgatar as pessoas da incompreensão da Arte, já que a Educação Formal não consegue dar conta disso.

Nos últimos anos, em especial a partir da década de oitenta do século passado, temos ouvido falar em “Curadoria” quando se trata de organização de eventos artísticos ou culturais. Este é um termo que tem sido usado e aceito em várias regiões do globo para se referir à produção de eventos nestas áreas. Mesmo que tenha sido tomado de empréstimo da área jurídica, que se referia à nomeação de alguém para administrar bens de menores ou de pessoas que, por um motivo ou por outro, eram incapazes ou impedidas de gerir seus próprios destinos, passou a ser bem-vindo na Arte.
Inspirado na administração pública em que Conselhos Curadores são criados para gerir bens institucionais, mas de qualquer modo, o termo “Curador”, acampou no contexto da arte e, pelo jeito, não vai mais sair.

É possível justificar a existência dos curadores pela crescente necessidade de especialização requerida pelo contexto da arte contemporânea, por um lado, para dar conta de suas idiossincrasias e inovações e, por outro, para intermediar a relação entre as obras e o público.
É importante destacar que se instaurou um novo campo de estudo e atuação profissional para a formação artística ampliando o campo do conhecimento e do pensamento artístico junto aos historiadores, estetas, teóricos e críticos.
Os grandes eventos artísticos têm reforçado a necessidade da presença destes especialistas a cada nova edição. É o que está ocorrendo, por exemplo, com as bienais no Brasil e no exterior. É difícil pensar, hoje em dia, numa mostra que prescinda de curadoria. Até mesmo as mostras individuais têm-se valido dela para tornarem-se mais eficientes, mais claras e melhor entendidas pelo público. Neste sentido a interação entre Apreciação-Educação-Formação do público é também uma missão institucional.

Também na academia esta área vem se mostrando como uma especialidade para a formação graduada e pós-graduada, diversas instituições de ensino superior vêm organizando cursos com esta finalidade. Embora a ideia de curadoria tenha sido vítima de "maus tratos" e enfrentado a resistência de artistas e críticos de arte, especialmente no que se refere ao aspecto autoral, já que a autoria das Obras compete com a autoria da Curadoria, logo, há mais de um autor em diálogo num mesmo processo.
Parecia que o artista perdia o primado da autoria, pois o curador diz ao público como apreender e dialogar com a obra, coisa que era de exclusividade do artista e o crítico, por sua vez, perde a primazia da análise em primeira mão, pois ao leitor já foram antecipadas dados que o auxiliam a tirar suas próprias conclusões. Tanto um quanto outro se sentiram desprestigiados e tentaram minimizar o efeito da Curadoria, ainda bem que não conseguiram.

É necessário entender que, justamente pelas condições da arte contemporânea, que o surgimento da curadoria é, por assim dizer, uma condição necessária e que leva tanto ao aprofundamento da função crítica quanto do conhecimento sobre Arte. O curador, ao selecionar obras e organizar o modo de mostrá-las, passa a exercer, de antemão, uma função que antes cabia ao crítico, mas que era exercida a posteriori. Nas condições da arte atual, não é mais possível esperar pela intermediação do crítico para a compreensão das obras já que, grande parte delas é realizada em “tempo real”, ou seja, performances, instalações, intervenções devem ser compreendidas e assimiladas “on time”, portanto, se dependerem de algum esclarecimento, ele deve ser dado simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo em que o evento ocorre, senão corre-se o risco de falar ao vazio.

Obviamente o curador não é artista nem crítico ou, pelo menos, não exerce estas funções ao realizar o processo de curadoria. Embora sua atuação possa ser confundida ora com um, ora com outro já que há uma “assinatura” no conjunto da mostra que revela um percurso, uma proposição e, até mesmo, uma condução autoral. Entretanto, não há curador capaz de transmutar água em vinho, tampouco prescindir do artista ou do crítico, a cada um cabe a habilidade do seu fazer.
Penso que o curador tem se configurado como mais um elemento que, ao inserir-se no contexto ou no sistema de arte da atualidade, o faz para lhe dar-lhe mais eficiência cultural e institucional. Ao fim e ao cabo, vemos que o curador vem se tornando um dos responsáveis pela mediação entre arte e público, tanto quanto são os críticos e demais teóricos da arte.

A complexidade da qual vem se revestindo a arte nas últimas décadas, mostra que ela não é coisa para amadores, ao mesmo tempo, precisamos acabar com a ideia de que a arte é um universo de código fechado que só serve para os artistas e seus agregados. Fica claro que sem Mediação eficiente a Arte estará cada vez mais distante do público. Sem orientação será cada dia mais difícil integrá-la ao contexto social como um elemento significativo da nossa cultura. É neste sentido que tanto a crítica quanto a curadoria, são elementos importantes para a formação do pensamento estético e contribuem, sem sombra de dúvida, para o crescimento da arte e para o desenvolvimento de suas análises, portanto a Crítica e a Curadoria são duas áreas coadjuvantes, integradas e responsáveis, ao mesmo tempo, pelo processo de construção de um projeto que visa a consolidação do pensar, do fazer e da compreensão da arte como Conhecimento e bem cultural imprescindível ao ser humano.

Agradeço a leitura e o compartilhamento... ou mediação!

3 comentários:

Anônimo disse...

Boa noite Isaac, sou estudante de artes plasticas e mediador no Museu de Arte do Espirito Santo e pesquisando sobre Critica e Curadoria na internet, cheguei ao seu texto e achei excelente, considero pontual a questao de o papel do curador estar nessa mediaçao de arte educaçao com publico, conscientizando sobre a valorizaçao do bem cultural e intelectual, num mundo contemporaneo de tantos olhares possiveis na arte.

RENAN ANDRADE
renan.es@gmail.com

Anônimo disse...

Boa noite Isaac, sou estudante de artes plasticas e mediador no Museu de Arte do Espirito Santo e pesquisando sobre Critica e Curadoria na internet, cheguei ao seu texto e achei excelente, considero pontual a questao de o papel do curador estar nessa mediaçao de arte educaçao com publico, conscientizando sobre a valorizaçao do bem cultural e intelectual, num mundo contemporaneo de tantos olhares possiveis na arte.

Anônimo disse...

Geraldo de Caicó

Olá Isaac, não tenho formação acadêmica em educação artística, não só vislumbro com a arte, com procuro estudar sobre o tema. Sou formado em Letras, teatrólogo e compositor. Bastante expressivo seu Blog. Parabéns pelos textos que muito nos ajudam a compreender a arte.