EM PROCESSO - Olá, eu me chamo Isaac, sou Carvólatra...

Desenho à carvão, Isaac.
Como já devem ter visto meus trabalhos plásticos têm um componente gestual expressivo recorrente que é a grafia, que chamo de comportamento "Desenhatório", uma espécie de tendência para o Desenho. Para que ele se realize há a necessidade da utilização de meios, instrumentos e materiais que produzam e mantenham rastros, marcas e registros. Vários instrumentos e materiais foram utilizados pelos artistas e criadores ao longo do tempo para plasmarem imagens em diferentes superfícies.

Na pré-história uma das atitudes que nos diferenciou das demais espécies foi a capacidade de abstrair e criar imagens e, um dos primeiros materiais usados para isto foi o carvão.
Confesso que tenho grande admiração pelo carvão devido às imensas possibilidades de uso e efeitos possíveis em sua aplicação é ai que entra a predileção por ele que batizei de Carvolatria, ou seja, a fraqueza do Carvólatra, a adicção do cara que usa carvão para criar imagens compulsivamente... Brincadeiras à parte, vamos ao processo.

Entre as primeiras imagens criadas na pré-história estão os Desenhos. Alguns feitos por meio de incisão sobre rochas, outros feitos com rastros de minerais e outros realizados com carvão mesmo. A obtenção deste material resultava da apropriação dos resíduos da queima acidental ou provocada da madeira ou de outras substâncias carbonizáveis. Não se pode dizer que o único uso deste material fosse gráfico, há informações que dão conta do seu uso curativo no preparo de unguentos, de pastas para uso "medicinal" em várias culturas, hoje em dia o é usado para purificação e contra intoxicações, logo, sua utilização é ampla, desde aplicações como "detox" graças à sua capacidade de absorção de toxinas do ar e em contextos orgânicos como carvão ativado para filtros biológicos, até para fazer o churrasco do fim de semana, então: Carvão é tudo de bom!

Resultado de imagem para rupestre incisione
Incisão Rupestre pré-histórica: desenho cavado na rocha, encontrado no Marrocos.
A caverna Chauvet Pont d´Arc na França descoberta em 1994 detém um dos maiores conjuntos de imagens produzidas com carvão há 35.000 anos.

Caverna Chauvet Pont d'Arc, desenhos feitos à carvão na pré-história.
Grafias como linhas, manchas, sombras, nuances e adensamentos são obtidos com o simples carvão.
O Carvão Vegetal é obtido a partir da queima ou carbonização da madeira cujo resultado são fragmentos porosos e negros com maior ou menor rigidez. Nem todo carvão obtido da queima de madeira é adequado para uso artístico, embora todos possam ser usados para isto há alguns mais eficientes para isto, ou seja, obtidos de vegetais mais porosos. O carvão de hastes de videira, de vime, de arbustos ou árvores frutíferas em geral são mais adequados. Assim podemos obter nosso próprio carvão, mas um detalhe importante é que, preferencialmente, esse carvão não pode ser sempre obtido da queima direta, mas indireta, em contêiners que o queimam sem deixá-los rígidos.

O que interessa é o seu uso plástico. Embora todo fragmento carbonizado possa deixar rastros e marcas em superfícies, os que servem melhor ao desenho ou à expressão gráfica devem apresentar certas características: maciez, porosidade, homogeneidade e consistência, então há Carvões e carvões. Há momentos em que o processo criativo busca traços consistentes e muito negros e outros em que se quer traços leves e transparentes promovendo variações de luminosidade, textura e cobertura da superfície. Observe os detalhes abaixo:


Nos detalhes mostram uma aproximação do mesmo desenho à carvão de um de meus trabalhos, em que as texturas podem ser observadas em suas nuances.

Mesmo que seja possível apropriar-se de resíduos carbonizados de vegetais para desenhar, há uma grande oferta de Carvão nas lojas de materiais artísticos. A indústria de material artístico, atenta ao potencial expressivo do carvão, foi esperta o suficiente para identificar alguns tipos de vegetais que atendiam melhor aos procedimentos artísticos. A videira, o salgueiro e o vime entre outros que passaram a ser colhidos e mesmo produzidos para este fim. As hastes destes vegetais são carbonizadas, selecionadas e embaladas para comercialização. Para aproveitar também o subproduto carbonizado, passaram a prensá-lo para produzir barras com diferentes densidades: mais densas ou mais suaves. Usaram também para fazer minas para lápis. Enfim, hoje em dia há diferentes recursos nos quais o carvão é utilizado como matéria prima para a produção de material de qualidade destinado à criação e à Arte. Contudo ainda é possível recorrer ao carvão de churrasco para experimentar alguns efeitos expressivos, então temos carvão para toda obra.

Como há variação de carvões, variam também os efeitos obtidos por cada um deles, como também variam as necessidades e características plásticas impostas pelos artistas aos seus trabalhos, quer seja por meio do tipo de carvão ou do suporte utilizado. Nesse contexto estas variações visuais se tornam os elementos de sentido que constroem a significação. Ao observar uma imagem produzida com carvão, não é apenas a figuração, o tema, o assunto que se deve levar em conta, mas também todos os efeitos e condicionantes plásticas como a textura, gradação tonal e recursos técnicos aplicados durante o processo de execução da obra. Como na apreciação de toda Obra de Arte, é necessário levar em conta tanto os aspectos conceituais quanto os aspectos técnicos.

Desenho à carvão, Isaac.
Em 1530, Michelangelo usa o carvão para desenhar várias imagens nas paredes de uma pequena sala sob a Capela Medici da Basílica de S. Lorenzo, onde havia se abrigado de uma das batalhas entre as famílias dominantes, daquele período. São estudos de figuras que realizou durante os meses que permaneceu escondido. Um dos usos comuns do carvão era a realização de estudos e esboços para obras definitivas, como na pintura.


Da Vinci usa o carvão para produzir estudos de: A Virgem e o Menino com Santa Ana e São João Batista, 1499-1500, no qual faz furos milimétricos para transferir a imagem para o suporte definitivo por meio de pó de carvão, técnica comum na época.


Outra técnica utilizada era desenhar à carvão numa superfície de papel, por exemplo, e depois pressionar este desenho sobre o local onde seria produzida a imagem definitiva, uma cópia de contato. Vários procedimentos, fossem preparatórios, parciais ou definitivos foram desenvolvidos a partir do uso do carvão. O uso mais comum era o de traçar esboços sobre telas antes da pintura para delimitar áreas ou a própria imagem que, pela fragilidade do material, simplesmente desapareceria sob a pintura.
No entanto, esse era o problema que todo desenhista enfrentava com o carvão: Como fazer com que um material, quase volátil permanecesse numa superfície?
Se a superfície é porosa, o carvão a revela, expõe, explicita e faz com que sua textura seja valorizada e se torna também elemento de significação neste processo, mas também o mantêm frágil: um pó que pode ser retirado até pelo vento...

Os primeiros recursos que surgiram e preservaram o material foram as gorduras orgânicas ou resinas vegetais, a mistura do carvão com estes aglutinantes ou amalgamantes, possibilitaram a manutenção por mais tempo nas superfícies ou suportes. Era o recurso dos primeiros seres humanos nas cavernas nas quais se abrigavam.
Mais tarde os artistas passaram a fixar tais imagens com cola, o processo consistia em preparar a superfície com cola liquida, deixar secar e desenhar por cima. Terminado o desenho o suporte era exposto ao vapor para que a cola derretesse e o carvão fosse incorporado a ela.
Outro processo era o de mergulhar as hastes de carvão em óleo ou resina fazendo com que aderisse melhor sobre a superfície, o que também a manchava e não produzia um bom acabamento.

Embora pouco eficiente era o que podia ser feito, mais tarde, graças ao desenvolvimento de novos vernizes e de novos processos de aplicação foi possível borrifar verniz sobre a superfície desenhada sem risco de alterar o desenho. O surgimento dos tubos de verniz comprimido, como sprays, possibilitaram novas variações como acabamento fosco ou brilhante, com ou sem filtros Ultra Violeta. Assim foi possível intensificar o uso das técnicas à carvão sem correr os riscos que os artistas do passado enfrentaram.

Abaixo mais dois detalhes de desenhos meus para ilustrar seus efeitos, tanto de imposição de traços, quanto da retirada por apagamento. O branco surge do suporte ou quando se "apaga" um traço ou se constroem outros traços com borracha.




Hoje em dia é possível retomar com mais eficiência os processos de desenho à Carvão preservando quase que integralmente os efeitos plástico/visuais, como as texturas e variações tonais, mantendo a essência poética destes procedimentos, assim surgiram os Carvólatras... que, como eu, investem na exploração deste recurso atávico, ancestral, histórico, rico e atual.


Sugiro que experimente, curta, enfim, conhecimento é pra compartilhar!

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