REFLEXÕES - Arte: fazer ou não? Eis a questão!

Primeiramente quero esclarecer que nesse texto tomei a liberdade de me apropriar de imagens do trabalho de Artistas com os quais compartilho a amizade: alguns colegas de formação, outros com os quais trabalhei e trabalho e alguns que foram estudantes que convivi em períodos de formação, aqui presto-lhes uma grata homenagem e já me desculpo com aqueles que não consegui localizar na www. Quebro os parágrafos mas os intercalo com momentos de apreciação e prazer...


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Waldomino Santanna, Janela 1977.  https://www.waldomirosantanna.com.br/
Os dois últimos textos que publiquei recentemente: Arte para que? e Para que fazer Arte? Levaram alguns amigos artistas a ponderar à respeito desse assunto o que me estimulou a refletir um pouco mais sobre algumas questões que permearam os dois textos que são o Fazer Arte e o Apreciar Arte. Por isso volto novamente ao tema e espero que mais pessoas possam refletir à respeito. Para tanto vou levantar algumas questões para melhor explicar minha linha de raciocínio.


Létícia Marquez, "1° Selo da Série Apocalipse, 6-1,2".
 https://www.facebook.com/pages/category/Artist/Let%C3%ADcia-Marquez-353880538073117/
A primeira pergunta que me vem à mente é: O que você faz para viver faz você feliz? Se a sua resposta for afirmativa, eu me congratulo com você e lhe digo que tomou uma ótima decisão em sua vida por fazer algo que lhe traz prazer além do sustento.
Por outro lado, se a resposta for negativa há um problema e problema é para ser resolvido, não é?


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Pama Loiola, série Peruaçú N°40, 1995. http://pamaloiola.blogspot.com/

Antes disso é preciso distinguir uma coisa, o que fazemos profissionalmente, mesmo que seja Arte, é Trabalho. Originariamente trabalho eram as ações empreendidas pelos seres humanos para proverem sua manutenção e existência, logo, a coleta, a caça, vai se transformando para a confecção de ferramentas, instrumentos e utilitários necessários à sua sobrevivência, dai a classificação de Homo Faber identifica o momento em que o ser humano toma consciência de sua capacidade de transformar o entorno em seu benefício superando o Homo Sapiens que tem apenas consciência de sua existência. De simples coletor para o criador é uma passagem grandiosa para o desenvolvimento humano, com boas e péssimas consequências.


Fernando Augusto dos Santos Neto, Série Desenhos Amazônicos,
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8750/fernando-augusto

Obviamente, o trabalho visto pela ótica do mercado e do capitalismo é uma atividade que visa o ganho ou a remuneração em substituição às ações primárias da humanidade que eram destinadas exclusivamente à sua sobrevivência. A idéia de mercado e capitalismo inclui a exploração da natureza, da mão de obra, da tecnologia e das inteligências dedicando-as apenas a ele mesmo e não ao ser humano como merecedor do desenvolvimento, mas como um consumidor de produtos, bens e serviços. Como não sou economista, intuo que para o tempo atual o trabalho é algo que intermedia o capital e o consumo, ou seja o mercado...

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Danillo Gimenes Villa, "P.S." (Paisagem e Superfície). http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa278414/danillo-villa
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Udhi Jozzolino. https://www.artmajeur.com/pt/udhi-jozzolino/artworks/1406225/obra-2

Nessa linha de raciocínio, o trabalho pode ser visto sob duas óticas: uma é como viam os gregos e romanos, de um lado o trabalho Criador (Opus) e de outro o trabalho Braçal (Labor). Um digno e elevado e outro indigno e pesado. Isso ainda acontece fazendo com que as atividades mais básicas da sociedade sejam mal remuneradas e as mais elitizadas sejam melhor remuneradas, basta comparar um trabalhador braçal de qualquer área com o de um gerente de empresa, de que campo for, que obviamente o gerente será sempre melhor remunerado, independente do esforço físico ou mental que um e outro dispensem na execução dele.


Elke Coelho, Chuva. 

Vale atentar para a existência de uma terceira vertente não prevista pelos gregos e romanos: a ação de uma entidade que não se encaixa em um ou outro, mas manipula um e outro. Essa entidade que rege a manipulação dessas duas vertentes, por falta de melhor classificação, pode ser reconhecida como capitalismo, cujas ações são operadas por indivíduos, corporações ou nações que, por um motivo ou outro: mérito ou apropriação, se colocaram acima de tudo, pactuando e reprimindo os demais.


Rogério Ghomes, LDA, CWB // 379KM, 4H46MINhttp://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10570/rogerio-ghomes

Aqui posso voltar à questão do Fazer da Arte. Nos textos anteriores admiti que Fazer Arte é uma atitude volitiva empreendida por pessoas que têm motivações pessoais, subjetivas ou simbólicas que as leva a praticar, exercitar, criar coisas que revelem significados, sentidos ou significações de caráter estético. Um fazer, um trabalho de fato que reúne, ao mesmo tempo, o Opus e o Labor na constituição de Obras de Arte que podem ou não ter fim em si mesmas ou serem intercambiadas, compartilhadas e dispostas à apreciação dos demais. O que não as exime também de serem captadas ou cooptadas pelo sistema e, com isso, atuarem no universo mercantil.


Eva
Priscilla Pessoa, Eva, 2018.  https://www.priscillapessoa.com/a-artista
Posso dizer com segurança que a maioria dos artistas que produzem/fazem Arte, fazem por prazer, por amor, por motivos subjetivos, individuais, simbólicos ou pessoais, mas não com fim único e exclusivamente mercantil.
Aqui vocês podem me contestar e dizer: Mas os artistas que vendem suas obras por milhões, eles também são desinteressados?
Nesse caso, tais artistas, uma minoria absoluta no mundo atual, tiveram o privilégio, a sorte ou a estratégia de serem agraciados pelo mercado ou pelo marketing e terem suas obras supervalorizadas e, nem todos, auferem os valores diretos desses milhões, a maior parte vai para investidores e especuladores constituídos pelas grandes cadas de leilões, marchands e capitalistas, embora uma aura de sucesso permaneça em torno deles e os mantenha em alta fazendo com que suas obras sejam, além de Arte, bons negócios.


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Rafael Duailibi Maldonado, Ornamento, 2000. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa23292/rafael-maldonado

Posso dizer, também com segurança, que nenhum artista é desinteressado, a questão é entender que tipo de interesse o move. Alguns tem seu próprio interesse, seu prazer ou gosto e por isso fazem Arte, outros confiam que em algum momento possam ser reconhecidos e recompensados pelo seu trabalho pelo mercado, o que não é um mal em si, mas de difícil conquista, especialmente se levarmos em conta que as habilidades dos artistas estão focadas no fazer e não no vender. Mas todos eles, independente da finalidade com que criam, investem muito (intelectual, material, performática e pragmaticamente) nesse fazer e é justo serem, no mínimo, respeitados e reconhecidos por isso.


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Sérgio Bonilha, Depois das Ilhas, 2000.  http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa426014/sergio-bonilha

Agora posso voltar à questão do Apreciar Arte. O Apreciar normalmente é relacionado a valores como gostar, aceitar e, dada à tradição clássica acadêmica, pode ser associada à ideia de beleza, harmonia, ao agradável e ao ornamental vinculada ao gosto reinante num dado momento, e que ainda não é totalmente ignorado hoje em dia, muitas obras ainda atendem à essas funções.

Taís Cabral, sem título.
Regina Menezes, 2019. http://reginamenezes.com/2019/02/08/primeiras-gravuras-de-2019/

Pode-se dizer que, ao longo do tempo, muitas Obras de Arte atuaram em muitos desses universos qualitativos, contudo hoje em dia a Arte é mais autônoma e propositiva e, para apreciá-la, temos que levar em conta vários outros fatores como o próprio conhecimento sobre ela, as provocações que realiza e o desafio para identificar questões que intemediam as relações entre ela e o mundo atual, logo, Apreciar se relaciona a entender, buscar e descobrir sentidos e significados que, muitas vezes, não estão explícitos e diretamente revelados pela obra em si, mas relacionados às condicionantes do contexto artístico e social do qual faz parte.


Constança Lucas, Tocamos o Mistério, 2018.  http://constancalucas.blogspot.com/

Um ponto relevante é entender que a Arte atual não se preocupa tanto em Representar algo mas em Apresentar algo e, ao Apresentar nos desafia, nos leva a pensar e nos provoca, convoca à reflexão em busca das significações possíveis.
No senso comum corre a ideia de que a Arte atual é incompreensível, provocativa e agressiva, que denigre e ignora toda a tradição canônica clássica e, por isso, não é digna de ser considerada.
É fato que se opõe à tradição, mas não a ignora nem a denigre. Ser incompreensível é um aspecto que está mais ligado à precariedade da formação educacional e cultural à qual se está submetido do que um problema da Arte. Também é fato que é provocativa, esse é o primado propositivo das poéticas contemporâneas, instigar as pessoas ao diálogo, ao desvendar, encontrar sentidos e não dá-los "de mão beijada" como as narrativas temáticas do passado. Agressiva, de fato, muitas obras recorrem ao próprio sistema ao qual estamos sujeitos enquanto sociedade que pratica a insegurança, o desrespeito à divesidade, aos gêneros, às etnias, aos mais fracos, desvalidos e ignorados pelo sistema dominante, se isso é ser agressiva, desculpem-me, em que mundo estamos?

Fábulas caseiras
Patrícia Osses, Verde e Violeta, 2008. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa211973/patricia-osses

Agora, finalmente, volto à felicidade. O conceito de trabalho, de um modo ou de outro, se contrapõe ao de Lazer, ou seja, à busca da felicidade, de um ponto de equilíbrio em que àqueles que estão sujeitos à faina diária e desprazerosa do trabalho compulsório e, às vezes, compulsivo, tem uma válvula de escape que é um momento de curtir, de fazer algo interessante, desestressante, prazeroso constituído por atividades que o distraiam e o reequilibrem para sobreviverem mais um dia, uma semana, um mês, ano a ano. Folgas, Feriados, Férias são os contrapontos do trabalho, momentos em que se pode descontrair e esquecer por alguns momentos o ambiente depressivo, o chefe prepotenre, os colegas neuróticos, os clientes exigentes, enfim tudo aquilo que representa o contexto executivo e que está compulsoriamente ligado às atividades trabalhistas ou trabalhosas. Nesse sentido, nem sempre o trabalho está associado ao prazer e à felicidade.

José Antonio de Lima, Casulos, https://www.joseantoniodelima.com/

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Fernanda Magalhães. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10721/fernanda-magalhaes

Nesse ponto é que o Fazer da Arte está, de um modo ou de outro, associado a este contexto de prazer e de felicidade. Um artistas faz o que faz porque se sente bem. Mesmo que para fazer Arte tenha que se submeter a atividades paralelas que nem sempre lhe dão prazer, há adiante um "porto seguro" no qual pode aportar nos momentos em que a realidade pesa, a Arte eleva e enleva, equilibra e faz o contrapeso do mundo...

Reberson Alexandre - São Jorge 01
Reberson Alexandre, São Jorge 01. https://www.behance.net/reberson_alexandre

Sejam felizes, façam ou apreciem Arte, sua alma agradece...

"Grandes amigos", micro escultura de madeira / 13x10.1x7.2cm
Aldo Torres Nunes, Grandes Amigos.

Como adiantei, nesse texto tomei a liberdade de me apropriar de imagens do TRABALHO de Artistas que, a despeito de tudo, continuam FAZENDO Arte e nos dão o prazer e a felicidade de contar com seus olhares para tornar esse mundo mais sensível e mais feliz.

Agradeço a leitura e peço o compartilhamento. 

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