REFLEXÕES - Arte é para todos?


Grande dúvida: todos têm direito à Arte?

A Última Ceia de Leonardo da Vinci, 1495-98, Afresco na Igreja de Santa Maria delle Grazie, Milão.
Apenas para ilustrar esse texto, trago como exemplo a possibilidade de visita à essa Obra de Arte de Leonardo da Vinci dizendo que custa entre 40 a 50 euros, em reais equivale a 200 e 250 reais aproximadamente. Provavelmente você não poderá ficar mais de vinte minutos no ambiente para não atrapalhar os outros visitantes, turistas ávidos para passar diante dela e dizer: Eu vi a Santa Ceia de Da Vinci! Obviamente Da Vinci nem fazia ideia de que sua obra, ao contrário de ser uma homenagem ao último momento de Cristo junto aos seus discípulos, se tornaria uma das maiores atrações turísticas de Milão. Isso demonstra o deslocamento de bens culturais para exploração comercial turística ou de reproduções é uma das estratégias utilizadas por vários museus, instituições pelo mundo afora para angariar fundos. Por um lado pode se defender que os valores arrecadados são destinados à conservação desses bens, mas, por outro lado, parece exploração pura e simples.

Ao longo do tempo vimos as manifestações da Arte Visual assumirem diferentes posturas na sociedade: fossem como aparatos simbólicos e rituais amparando a existência dos primeiros seres humanos ou como um meio de distinção e enaltecimento dos grupos detentores do poder.
Como seres humanos fomos dotados de capacidade criadora e criativa, nesse sentido, é possível partir da premissa de que todos podem produzir Obras de Arte, mas também está claro que, embora todos tenham a possibilidade de produzí-la nem todos tem acesso a ela.

A Arte Visual surge espontaneamente como uma tentativa de exercer o domínio sobre o meio ambiente e sobre as coisas das quais necessitava para garantir sua sobrevivência, logo, Arte não era feita pelo prazer estético ou para ornamentar cavernas, mas para garantir sua existência, dar-lhes esperança de mais um dia, um mês, quem sabe um ano ou dez...

As manifestações artísticas estavam tão impregnadas em sua vida, ao seu dia a dia que Arte e realidade não se distinguiam uma da outra. Nesse sentido a Arte era algo integrado à vidas daqueles seres humanos de tal modo que não havia qualquer necessidade de identificar o que era Arte do que era realidade (no sentido conceitual e não pragmático).

Ao passo que as civilizações foram se desenvolvendo a Arte passa a ser utilizadas não mais como uma forma de propiciar sua manutenção, mas como um meio de narrar, contar histórias, ocorrências e eventos de nações, seus mitos e heróis, com isso passa a ser também um modo de distinguir, informar , publicizar os feitos dos povos dos grupos dominantes e dos dominadores. Nesse sentido a Arte passa a ser empregada para dar visibilidades aos feitos e efeitos desses grupos e nações.

Grande parte da história ou dos mitos das civilizações da Antiguidade chegou até hoje por meio das representações visuais incorporadas às edificações dos templos, túmulos e palácios. Mais tarde, no período Moderno, pelas obras financiadas pelos príncipes, religiosos, comerciantes e líderes políticos que passaram a usar a Arte como meio de distinção social como manifestação de sua riqueza e poder. Assim surgiram também as grandes coleções de Arte Visual que ainda hoje ocupam boa parte dos museus do mundo.

Na medida em que tais coleções foram sendo criadas, boa parte das obras produzidas nesse período deixaram de ser públicas, não estavam mais disponíveis para a visibilidade no ambiente urbano, mas passaram a ser destinadas à apreciação privada, dentro dos templos, palácios e mansões cujo acesso era restrito à elite dominante.

Ao mesmo tempo, foram criados museus para coletar, armazenar, cuidar e mostrar Obras de Arte e outras coleções de coisas e objetos históricos, antropológicos que pudessem interessar à cultura, à curiosidade ou ao interesse comum ou coletivo. Tais coleções deixaram se ser restritas e passaram a ser públicas, embora muitas delas para serem visitadas exijam a compra de ingressos, ainda é um dos meios que disponibilizam o acesso à elas.

Cobrar um ingresso daqueles que se dispõe a visitar um museu, embora seja um contrassenso, já que a cultura humana deve ser compartilhada com todos, é a forma mais direta de apropriação da cultura como meio de promoção e investimento já que o poder público, em raros momentos, se dispõe a oferecer acesso livre, aberto e irrestrito aos bens culturais.

Nessa mesma linha de raciocínio aqueles que dispõem de poder econômico têm a possibilidade de adquirir Obras de Arte com fins exclusivos de investimento retirando-as também do convívio público. Coleções privadas são constituídas com a intenção de promover o poder de seus proprietários mas, nem sempre, estão abertas à visitação pública.

Boa parte do que se vê ou do que se sabe sobre Arte Visual depende das edições impressas ou das redes sociais nas quais são difundidas as reproduções imagéticas de tais obras, muitas vezes sem que se tenha a noção de sua dimensão, técnicas ou condições ambientais. As reproduções de tais obras dão uma ideia de como as obras são, mas de modo algum correspondem à obra de fato, seja em relação à sua dimensão real, cores, texturas ou aparência ou intervenções decorrentes do desgaste do tempo ou de intervenções que sofreram. São registros parciais, meras ilustrações de algo que é muito maior, mais importante, mais dinâmico e mais forte do que se vê nesses meios.

A falta de hábito de frequentar ambientes dotados de Obras de Arte faz com que fiquemos anestesiados e cada vez mais alienados de nossa própria cultura, de nossos próprios valores e bens culturais. Tudo parece não ter a ver conosco, nada é importante e de nada adianta lutar contra isso.

No fim, vítimas desse processo de alheamento, resta-nos apenas aceitar tais arremedos de Obras de Arte, olhar pequenas janelas nos livros, no monitor das telas de nossos gadgets digitais e nos conformarmos... é esse o direito que temos à cultura que produzimos...

Desculpem-me o lamento, mas vale lembrar que temos o direito ao inconformismo...




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