REFLEXÕES- Figurativo, Abstrato, Conceitual: o que é isso?

Desenho a carvão e tinta vinílica, Isaac


As Obras de Arte podem ser abordadas por meio de suas formas, pelas suas qualidades plásticas, pelos elementos que determinam sua aparência e suas características estruturais pode-se identificar estilos, escolas e mesmo seus autores. Esta é uma das vantagens que encontramos em algumas manifestações artísticas, ou seja, além de poderem ser lidas pela sua forma, podem também ser lidas pelos seus conteúdos ou pelo que as motivam no contexto sócio/cultural do qual resultam, participam e significam.
Seguindo este raciocínio é possível reconhecer, pelo menos, duas categorias da Arte Visual amplamente aceitas: a Figurativa e a Abstrata. Identificar essas categorias parece fácil, é só pensarmos que tudo aquilo que se parece com o que conhecemos no mundo natural faz parte da categoria figurativa e, ao contrário, tudo o que não se parece com o que podemos reconhecer no mundo natural, faz parte da categoria abstrata. Simples e direto. Para começar, está ótimo, mas será que isso dá conta de tudo aquilo que conhecemos em Arte Visual? Vamos exemplificar vendo as duas imagens, a seguir.

 
Parece mais fácil ainda reconhecer essa diferença, vendo-as já nos sentimos especialistas. Mas será que isso basta? Acima temos uma obra de Perugino, artista do Renascimento italiano, que mostra bem as características figurativas: As pessoas, ambientes e coisas se parecem com o que conhecemos no mundo natural. Em baixo temos uma pintura de Peter Lanyon, esta nos revela as características do abstrato, ou seja, as formas e as cores não correspondem ao que conhecemos no mundo natural. Estas duas categorias podem ser suficientes para identificar, numa primeira aproximação, a aparência sob as quais algumas obras de arte se manifestam, no entanto, não são suficientes para esgotar todas as possibilidades das manifestações artísticas, daí temos que evocar outras categorias. Vamos ver mais uma obra e pensar se o que dissemos até agora é suficiente.

  Pelo que podemos ver temos alguns problemas, agora as imagens não se parecem muito com aquilo que conhecemos. Embora possamos ver que tratam de pessoas, ambientes e coisas, não se parecem necessariamente com as pessoas, com as paisagens ou as com as coisas que conhecemos e que fazem parte de nosso convívio, mas ainda assim parecem se referir a coisas reconhecíveis, mesmo que nem sempre sejam encontradas no mundo natural do mesmo modo que as vemos nas representações visuais das imagens. Acima temos uma paisagem de Eric Heckel, é estranha, parece que não faz parte desse mundo, ao invés de nos acalmar, como querem as paisagens bucólicas, nos deixa tensos. Ao centro, uma obra de Karel Appel, vemos três seres que mais se parece com “aliens” fugido de um filme de ficção científica e não com pessoas. E a Natureza Morta de Morandi, embaixo, também parece não se referir a nada, a não ser que sejam gabaritos e sólidos geométricos, provavelmente sem função pragmática. Então, qual é o problema?

Bem, primeiramente é necessário lembrar que estas Obras de Arte foram produzidas a partir do final do século XIX e do início do século XX e, portanto, fazem parte de um momento em que os artistas optaram por não recorrer à obviedade da reprodução ou representação do mundo natural como um dos meios de aditar valor às suas obras ou às suas performances. Logo, reproduzir imagens que mostravam as pessoas como pareciam no mundo, as paisagens ou as coisas como elas são conhecidas e reconhecidas por meio de nossas experiências visuais, não era mais uma preocupação que os motivava, mas sim a busca, a procura pela invenção, experimentação e por novas soluções estéticas.

Optaram, então, por estabelecer diferenças marcantes entre as coisas do mundo e as coisas da Arte: Mundo é Mundo e Arte é Arte, assim tem sido até hoje. Não custa nem cansa afirmar e reafirmar que as coisas do mundo pertencem a ele e as coisas da arte pertencem ela. Os fenômenos naturais são ocorrências passíveis de serem interpretadas, decodificadas, conhecidas e estudadas pela ciência, especialmente as ciências naturais, que buscam as explicações sobre as ocorrências na natureza por meio da física, da química ou da biologia. Ao contrário, no campo da Arte, as preocupações não se referem às explicações sobre tais fenômenos, mas sim como é possível abordá-los, ressignificá-los por meio de manifestações estéticas, plásticas e conceituais.

Uma pergunta que não quer calar é a seguinte: porque a Arte Visual deixou de se referir às imagens do mundo natural, imitando-as ou representando-as e passou a subvertê-las, recriá-las ou simplesmente, inventá-las?
Não seria mais fácil e mais "bonito" continuar a fazer algo agradável que poderia nos tornar mais felizes, equilibrados ou complacentes? As imagens não eram “belas”, agradáveis, sossegadas e, exatamente por isso, eram chamadas de Arte?

Para a Grécia Clássica, para os Renascentistas ou para os Neo-Clássicos, o Belo, tomado como um conceito de excelência de caráter moral permeava as concepções estéticas. Havia um certo recato, uma busca pela "perfeição" aceita, programada ou premeditada pelo gosto daquelas civilizações que dominavam e determinavam o padrão visual esperado da Arte como o meio de realização de imagens.
Grande parte das Obras de Arte destes períodos se dedicavam à narrativas, interpretações de ocorrências, fatos ou eventos históricos, religiosos ou mitológicos. Afirmavam a capacidade do artista em "representar" tais ocorrências com a eficiência de suas habilidades e virtuosismo. Logo, "fazer bem", "imitar direito" era uma das métricas mais importantes para a avaliação daquelas obras.

A partir do século XIX, na medida em que as transformações sociais e econômicas ocorrem, ocorre também a transformação do gosto, dos padrões estéticos da sociedade possibilitando aos artistas investir nas inovações, nas experimentações e na busca de novas soluções artísticas que dialoguem com mais autonomia e eficiência com os novos valores nascentes e em desenvolvimento.

Portanto desmimetizar, desmistificar, desconstruir, ressignificar passam a ser também valores estéticos assim como os valores já consagrados e concebidos no contexto da expressão artística. Por isso a Figuração se torna DE-figuração ou, se quiserem, desfiguração dando margem ao surgimento de tendências como as do Expressionismo e, mais tarde da Abstração, por exemplo.

Pode-se dizer que as Obras de Arte contemporâneas falam "outra língua" e descobrir ou entender esta outra língua tem sido a tarefa dos estetas e teóricos da Arte Visual dos últimos anos, desde o Modernismo.

Acredito que grande parte das manifestações contemporâneas estão focadas em Proposições, ou seja, os criadores atuais não se conformam aos procedimentos representativos ou reprodutivos que orientaram o conhecimento tradicional, mas sim em descobrir, experimentar novas possibilidades e soluções que dialoguem como o tempo atual.
A partir do momento em que as manifestações artísticas valorizaram as qualidades sensórias, plásticas e visuais dos elementos constitutivos ou das substâncias de expressão que manuseavam ou manipulavam para produzir suas Obras, incorporaram novos valores, novas tendências estéticas e conceituais aos valores artísticos.Trouxeram novas cargas emocionais que não se referiam apenas às "representações teatralizadas" dos mitos, da história ou religiosas das alegorias preferenciais da tradição acadêmica, mas passaram a acreditar na experimentação visual, plástica, matérica e conceitual, como meio de expressão.

A gestualidade, o cromatismo, o grafismo, as relações formais, estruturais e significativas passaram a ser os principais temas e assuntos, ou motivações, que vêm orientando boa parte das manifestações artísticas da contemporaneidade variando tais "cargas emocionais" com as quais deparamos na Arte atual.

Assim, podemos dizer que há momentos em que essas cargas emocionais são mais densas e tendem a mostrar rupturas, inconformismo, insatisfação e serem até mesmo agressivas. Um exemplo disso é a Guernica de Picasso que demonstra o inconformismo com o bombardeio, realizado pelo general Franco, da cidade de Guernica na Guerra Civil espanhola.

 
Este é o modo de dizer que elas adotam e, muitas vezes, chocam. Carregar as imagens nas cores, nos traços, nos temas e em outros detalhes que mobilizam nossa atenção é que provoca a interação e, quem sabe, seu compartilhamento. Estes são modos próprios de dizer que a Arte Visual tem adotado nas últimas décadas, há praticamente um século. Eles não precisam coincidir com o que vemos à nossa volta, não há mal nenhum em trabalharmos com imagens que não se parecem nada com a natureza, isso é até mais interessante do que simplesmente imitá-la.



E agora, parece mais confuso ainda? Essas obras são formadas por várias figuras: quadrados, triângulos, retângulos, círculos e linhas. As imagens acima: a primeira é de Wassily Kandinsky, a segunda é de Piet Mondrian, a terceira é de Max Bill.
Pode-se argumentar que tais figuras são facilmente identificáveis. Nós as conhecemos como figuras geométricas planas, típicas do desenho geométrico e são "Figuras" reconhecidas, portanto não seriam também Imagens Figurativas?
As figuras geométricas são nossas velhas conhecidas, mas vale lembrar que elas não fazem parte do mundo natural, portanto não foram tomadas dele por imitação, mas sim criadas para representar conceitos de medidas, áreas, que possibilitaram o surgimento da Geometria, são frutos do conhecimento, portanto, da Cultura e não da Natureza.
Por serem figuras que fazem parte de uma construção intelectual humana, são produtos culturais e não produtos naturais, portanto realizações humanas. Nesse caso, ainda podemos insistir em chama-las de abstratas, mas um tipo de Abstração especial, o Geométrico.
Assim demos nomes artísticos para elas: Abstracionismo Geométrico, Construtivismo, Neoplasticismo, Concretismo. Cada um desses nomes nos remete a um movimento artístico do século passado com referencias específicas aos modos de pensar e fazer Arte.
Mas porque essas obras têm essa aparência? Porque são tão organizadas, bem comportadas e delimitadas? Em geral, quando as obras mostram essa organização, revelam ocupação sistemática do espaço, podemos dizer que elas estão em busca de um mundo mais organizado, de um modo mais racional de manifestar o pensamento, de um modo mais elaborado.
Por isso elas se parecem mais austeras, mais equilibradas e nada passionais, tampouco agressivas como aquelas que vimos anteriormente. Podemos concluir que esse é um outro modo de dizer da Arte, um modo racional que se contrapõe ao modo irracional ou passional. É só lembrarmos que as Obras de Arte Visual não contam com as palavras para dizerem o que pensam, então usam a sua forma para produzirem sentido.

Agora veja a imagem abaixo:


 
Agora parece que tudo complicou, ficou mais confuso ainda. Ao invés de termos imagens sem coisas ou imagens das coisas, temos a própria coisa?
É praticamente isso. A obra de arte que vemos acima é de Marcel Duchamp, intitulada de “Fonte” e apresentada numa exposição de arte em 1917, em New York, nos Estados Unidos. Ao se apropriar de uma peça produzida em escala industrial, cria uma nova tendência artística, um novo comportamento expressivo ao qual chamou de Ready Made. Com isto impôs uma crítica direta à arte tradicional, propondo uma reflexão sobre os processos de criação e de convalidação praticados pelo Sistema de Arte. Uma das questões fundamentai desse processo é dado pelo crítico de Arte Nelson Goodman que nos alerta e diz que não devemos perguntar o que é Arte, mas sim quando é Arte.

Embora isso nos pareça um tanto confuso, vamos localizar as raízes desse modo tão complicado de ser nas atitudes do Dadaísmo, movimento artístico do início do século passado. O Dadaísmo foi movimento que mais contribuiu para estas condutas por suas atitudes niilistas, anti-artísticas e nada convencionais. Isso proporcionou uma reflexão sobre os modos de realizar arte e gerou uma nova tendência na arte visual, a Arte Conceitual. Mas o que vem a ser isso? A ideia de Arte Conceitual vem da década de sessenta do século passado e tem por objetivo discutir questões da Arte, na própria Obra de Arte.
Essas obras não precisam de explicação, procuram explicarem-se por si mesmas. Embora esta seja a meta de toda obra, para aqueles que estão habituados a ver a Arte do modo convencional, em quadros, paredes, esculturas e objetos em geral, estranham quando um objeto do nosso dia a dia passa a ser considerado como Arte apenas por ser organizado de um outro modo. Vamos ver outras imagens:

 
A imagem superior é uma das que instituiu o Conceitual na Arte, é a obra Uma e três cadeiras de Joseph Kossuth, de 1965 e a de baixo é de Waltércio Caldas, artista brasileiro, digno representante do Conceitual, intitulada duas garrafas, de 1982. Levando ao pé da letra a ideia de que são as obras que falam pela Arte, só podemos concluir que é justamente isso o que acontece. Logo, um objeto retirado de sua função cotidiana ou usual; um ambiente modificado e transformado por intervenções humanas; um lugar preparado para designar um novo percurso ou um novo modo de ver as coisas; é fruto da ação humana, da ação cultural, da ação e da intervenção estética é, em última instância, artística. Sob esse prisma devemos compreender que estas obras são tão Obras de Arte quanto as outras que vimos desde os primeiros momentos da humanidade, embora tenham aparências, funções e concepções completamente diferentes daquelas.

 
Nas obras que vemos aqui acima, a primeira, é uma instalação de Jannis Kounellis. A que está embaixo desta, é uma intervenção ambiental de Christo, que envolve, em plástico, a ponte Neuve de Paris. E a terceira é uma outra intervenção ambiental, em seguida outra "land Art" de Robert Smithson. Construir imagens, figurativas ou não, interferir, instaurar, apropriar, recriar, inventar, todos estes são modos de expressar incorporados nas e pelas manifestações artísticas. Com o que vimos até agora é possível admitir que existem várias maneiras da Arte se manifestar e, conseqüentemente, várias maneiras de lê-la ou de se referir a ela.

Muitas obras contemporâneas não podem ser enquadradas na categoria de figurativa, abstrata ou conceitual, mesmo que possuam qualidades plásticas tanto de umas quanto de outras. É bom saber que, independente das obras dependerem de suportes materiais, objetos ou superfícies, limitados pela materialidade ou não, é sua constituição formal, física ou virtual, que determina sua existência estética como uma ocorrência no mundo: uma Obra de Arte.

Estar pela Arte já é ser Arte. Nesse tipo de expressão as manifestações dela resultantes se confundem, pois os produtos que dela resultam não são, necessariamente, objetos artísticos autônomos, mas sim veículos das idéias e conceitos que discutem a própria Arte. A criação é, simultaneamente, processo e produto. Esse produto, na maioria das vezes, é uma reflexão de caráter teórico/conceitual.

Bem, é isso, conhecimento é pra compartilhar, degustem e compartilhem, obrigado.


2 comentários:

Raphael Alves disse...

"os produtos que dela resultam não são, necessariamente, objetos artísticos autônomos, mas sim veículos das idéias e conceitos que discutem a própria Arte. A criação é, simultaneamente, processo e produto". Partindo disso, entendo que a poética utilizada na construção da imagem é não só meio, mas, muitas vezes, simultaneamente, a finalidade da discussão que esta encerra. Muito interessante, professor. Espero ter compreendido bem... :)

Hemilly Karinny silva dos reis disse...

legal 0_0