O Fato!
Neste mês pandêmico, assistimos pela internet um evento sui generis promovido por uma in"feliz" proprietária de uma das obras de Romero Britto quebra-la em uma de suas galerias, na presença do próprio artista, sem qualquer remorso...
Conta a mídia que a senhora foi até a galeria manifestar sua indignação e desaprovação ao comportamento desairoso, desagradável e esnobe que Romero e um grupo de amigos teve no restaurante de propriedade da dita senhora. Conforme se sabe o fato ocorreu em 2017, mas só agora foi postado numa rede social e, obviamente, viralizou e colocou de novo em pauta o assunto. Como não podia deixar de ser, também aproveito o ensejo, para falar um pouco de Arte.
A senhora, por sentir-se agredida pelas palavras e comportamentos deles na ocasião resolveu manifestar seu dissabor levando uma obra de sua propriedade, adquirida anteriormente do próprio artista e quebra-la diante dele e do público presente, obviamente alguém gravou e, consequentemente, viralizou.
Portanto, não há qualquer questão relacionada ao direito de propriedade que prejudique um ou outro: o autor já recebeu sua paga e a proprietária se dispôs a destruir seu bem. A questão que está em pauta não é de caráter artístico ou cultural, mas sim moral. Ao que parece, foi o que gerou o problema, supostamente, resolvido por meio da performance destrutiva empreendida pela colecionadora descontente com o artista. Tadinha da obra, que culpa tinha de tudo isto?
Para conforto dos defensores das causas perdidas, basta entender que não é uma peça única nem algo original, tampouco tem qualquer valor histórico. É parte de uma série comercial, portanto, nada de irreparável aconteceu no contexto artístico ou cultural, foi apenas resultado de uma desavença pessoal.
Embora o vídeo só aparecesse agora, o artista se manfestou por meio de uma carta lamentando o fato dizendo que tal ato colocou em risco a ele, a senhora e clientes pois poderiam ter sido feridos por cacos da obra, contudo não se desculpou ou justificou o fato original que foi o de ter destratado pessoas anteriormente. Se quiserem uma versão do fato: https://www.youtube.com/watch?v=09092tB1YUw
Os motivos que geraram a polêmica em questão podem ficar à parte, só estou aproveitando o calor do momento. Enfim, vamos aos aspectos correlatos às Obras de Arte e não estimular a baixaria midiática gerada pelo evento. Minha preocupação é discutir questões relacionadas à Arte e não alimentar querelas.
Sem qualquer dúvida posso dizer que ele é um artista sim e
que produz obra de arte, pois reúne os requisitos necessários para ser assim
considerado. Isto satisfaz uma parte da questão. Contudo restam outras que
devem ou podem ser esmiuçadas para melhor compreender o tipo de arte que ele
faz, como e para quem faz. Ressalvo que gostar ou não do que ele faz não é critério de valor ou de
julgamento, mas de preferência.
A figura pública ou a pessoa de Romero Britto não interessa nem um pouco, não sei o que faz em sua vida particular ou
privada. No entanto no contexto da Arte Visual, é necessário tecer alguns
comentários e considerações que podem dirimir algumas dúvidas.
Numa visão superficial pode-se dizer que é um artista que
tem reconhecimento em alguns circuitos e também sucesso comercial. É inegável
que suas produções, em geral, gozam de um certo prestígio no mercado de consumo
de produtos com assinatura (ou grife) ao gosto da indústria cultural.
Quebrar uma Obra de Arte é pecado?
Quebrar algo revestido de valor simbólico, como uma obra de arte, não é tão estranho assim. Haja visto as esculturas de personagens “non gratas” à sociedade atual que têm sido depredadas, destruídas pelo simples fato de não serem “politicamente corretas” nos dias atuais como exploradores, conquistadores, genocidas e escravagistas constituindo atos simbólicos e catárticos de expiação coletiva. Portanto há que se ponderar sobre o que se quebra e porquê se quebra. No mundo ocidental quebrar, destruir patrimônio público é crime, a menos que aconteça sob a guarda do estado por meio de eventos fortuitos como incêndios, por exemplo...
Ai Wei Wei, artista chinês, numa performance estético/política/simbólica, em 1995, quebra uma peça da Dinastia Han com 2.000 anos de história. Obviamente os motivos de Ai Wei Wei e os da senhora dona do restaurante foram diferentes, contudo o processo que ambos adotaram para mostrar seu desapreço foi o mesmo: a destruição simbólica de algo que tem valor para alguém. Talvez a performance da senhora tenha sido muito mais contemporânea, em termos de Arte, do que as de Britto.
A Obra Big Apple, cujo valor superestimado é em torno de
vinte e seis mil reais. O prejuízo foi apenas da ex-proprietária que perdeu a
oportunidade de atualizar seu patrimônio, o componente simbólico dessa e de outras obras do autor é pouco relevante por se tratar, em geral de produtos mercantis, com assinatura impressa e em edições ilimitadas. É um objeto destinado à decoração.
Citei a Indústria Cultural por reconhecer que os meios
usados pelo mercado de bens culturais, debatidos e explicados pelos autores da
Escola de Frankfurt, são recorrentes na sociedade de massa e de consumo,
impregnando a compreensão e a apreciação da Arte ao longo do tempo e criando
conflitos, ainda não resolvidos entre o passado e o presente, entre
conservadores e inovadores, entre tracionais, modernos e pós-modernos. A
polêmica está no ar...
Talvez aqui esteja um dos principais pontos da compreensão/incompreensão das obras de Britto pois, como disse antes, ele é capaz de produzir obras de arte já que é um artista. Também disse que é necessário discutir outras questões paralelas: o que ele faz, como faz e para quem faz.
Ele tem público para suas obras, sejam elas objetos decorativos, pinturas ou esculturas. Na minha opinião é um público formado por celebridades, turistas que vão à Miami para desfrutar das facilidades comerciais que a cidade oferece e nouveau richs que querem demostrar seu poder aquisitivo sem esforço intectual.
Um dos fatores que importa é como faz: Basta observar que, quando alguém tem uma boa cobertura da mídia, é “homenageado” com seus retratos.
O atual presidente, a ex-presidente Dilma, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo. Também temos Madona eternamente pop... Ronaldinho, Neymar ou Bart Simpson...
E não para por ai, nem os Obamas ou Hilary, se safaram, dele nem Papa escapa, Britto: O insaciável...
Tampouco obras de outros artistas: Petmonalisa ou a Popstarsila?
Nem designs escapam, nem poltronas sofás resistem às almofadinhas fofas:
Isto também não é incomum no contexto do mercado de arte: os artistas podem se apropriar da popularidade que envolve as celebridades para dar um “up grade” em sua produção. Uma maneira de, quem sabe, obter uma fatia do mercado é agradar aos fãs ou seguidores de personalidades, políticos e pop stars.
Antes os retratos eram encomendados por reis, rainhas,
papas, cardeais e pela burguesia endinheirada, neste caso, ao contrário, parece ser o
artista que se dispõe a retratá-los e presenteá-los para absorver
parte desta celebridade.
Então há duas questões subliminarmente postas aqui: uma diz
respeito à produção artística como tal e outra à mercantilização dessa
produção.
Nem sempre quem produz a Obra de Arte está preocupado com
questões de mercado, embora dependa dele, não é ele que o faz produzir, por
outro lado, há os que focam exatamente no mercado e sua produção é dirigida
especificamente para ele. Parece ser este o foco de Britto, nesse caso, ele
sofre as críticas negativas justamente por colocar o mercado como prioridade e
não a Arte.
Desde a Pop Art, nos idos da década de 50, 60 e 70 do século XX, vários artistas de apropriaram das estratégias de marketing destinadas à sociedade de consumo e as tomaram como estratégias discursivas na realização de suas obras.
O diálogo entre Arte e Consumo teve nessa tendência
estética/estilística um forte apelo às massas e, por ironia ou esperteza, se
tornou uma das tendências mais importantes nas referidas décadas cujos
resultados ainda se enfrenta hoje em dia.
Só para exemplificar tal conduta, basta destacarmos um dos
nomes mais emblemáticos desta tendência que foi Andy Warhol. Suas obras são uma
somatória de ironia, apropriação, irreverência e sagacidade. De um modo ou de
outro, acabou por contaminar a visão superficial de quem acredita que se
apropriar de bens de consumo é fazer Arte. Nesse caso a interpretação literal
de uma proposição conceitual acabou levando ao entendimento banal de que
bastava tirar algo da prateleira do mercado e colocar numa galeria que isto se
tornava automaticamente Arte: “O feitiço virou contra o feiticeiro”.
Warhol fez isto: se apropriou de personalidades muito conhecidas, comemoradas, enaltecidas no meio social e os transformou em obras. Ícones pop passaram a povoar suas obras no lugar das caixas de sabão em pó ou latas de sopa.
Como as Marilyns de 1964, serigrafias realizadas a partir de
fotos da atriz Marilyn Monroe, celebridade na época.
Elvis de 1963, o ditador chinês Mao Tse Tung de 1972, Mona Lisa de 1979, Mickey Mouse de 1981
No Brasil, não se pode esquecer de outro artista contemporâneo, Wik Muniz que também recorreu a algumas estratégias “Popianas”, na sua galeria de celebridades como Pelé nosso mais célebre jogador de futebol, Seu Jorge o cantor, Joãozinho 30 carnavalesco, Lula ex-presidente da república, ele próprio e ele mesmo.