POÉTICAS - Ligth Graph: diálogo com o campo expandido do desenho




Nestas últimas semanas, fomos instados ao recolhimento compulsório, o isolamento social destinado a prevenir a expansão do vírus COVID-19. A Universidade, as escolas, o comércio e muitos serviços públicos suspenderam suas atividades para evitar a contaminação do inimigo público mundial No.1.

A UFMS, para reduzir os danos de uma suspensão integral das aulas, propôs sua manutenção por meio de plataformas digitais.Obviamente nem todas as disciplinas e nem por todo o tempo isso será possível, mas é uma estratégia viável para o momento. Mais tarde, quando as atividades normalizarem, as questões pendentes serão resolvidas como repor aquelas disciplinas que não puderam ser trabalhadas durante a reclusão e outras questões emergentes.

Nesse caso, embora à distância, continuamos em atividade. Essas atividades incluem a manutenção de nossos projetos acadêmicos com as aulas as pesquisa do melhor modo possível.
Uma de nossas colegas, Constança Lucas, propôs que continuássemos, dentro do grupo de pesquisa que coordena: Pensar o Desenho, realizando atividades e postando sob o título de ISOLAMENTO DESENHADO. Uma boa proposta para que não deixásssemos de interagir e manter o astral em alta.

Mantenho também um projeto de Pesquisa em Arte denominado: Expressão Gráfica e o Campo Expandido do Desenho no qual exploro as questões gerativas do processo desenhante, seus fundamentos, diretrizes e criações. Um dos lugares para divulgação dos resultados e processos desse projeto é justamente esse Blog.

Tenho participado com algumas postagens no Pensar o Desenho e, nessa semana, propus um "quiz" sobre algumas das imagens que publiquei durante esse período no intuito de aumentar um pouco essa interação dentre os participantes perguntando: quem saberia dizer como essa imagem foi realizada?

Algumas pessoas conseguiram identificar o processo, outras quase... Por isso achei que valia a pena levantar alguns aspectos relacionadas ao contexto e ao conceito de Desenho já que, na atualidade ele não é entendido sob uma única ótica ou sob um só conceito. Assim aproveito a dica para abordar um recorte conceitual: O Desenho e sua práxis.

A palavra Desenho é um substantivo que cobre um amplo espectro de opções que vão do grafismo mais simples e elementar, como o rabisco ou garatuja, ao projeto mais complexo e sofisticado e Conceitual. O termo latino Disegno se refere tanto à capacidade psicomotora de realizar imagens como também à capacidade cognitiva de concebê-las, inventá-las e interpretá-las. Designar, indicar, orientar, gerir todas estas são compreensões possíveis neste contexto.


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Não há dúvida de que estas imagens à carvão figurando animais na caverna de Chauvet, na França, realizadas há 30.000 anos, correspondem a uma das ideias que se tem de Desenho.


Caverna Blombos ocre
Do mesmo modo, não se pode negar que estas incisões em rocha, encontrada na caverna de Blombos, na África do Sul, datadas de uns 70.000 anos, não sejam desenhos.



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Ou essa inscrição rupestre no Costão do Santinho em Florianópolis, Santa Catarina, não seria Desenho?


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As garatujas ou rabiscos desordenados infantís não seriam também modos de desenho?

Durante o Renascimento, especialmente a partir do Trecento, o Desenho passou a ser entendido, reconhecido como recurso autônomo e também adotado como a base para a produção das demais criações artísticas servindo de esboço ou preparação para as demais manifestações como a Pintura, a Escultura e também como subsídio técnico, geométrico ou projetivo para a Arquitetura. Passou a ter uma responsabilidade estrutural ou técnica dentro do campo expressivo ou prático.


Incisão rupestre na Ilha das Aranhas, em Santa Catarina, também pode ser entendido com Desenho. 


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Projeto de reforma da Igreja de Santa Maria Novella por Leon Batista Alberti, no século XV em Florença, o Desenho como projeto e tornado realidade.

O ato de desenhar ou seja, a ação gráfica para realização do Desenho, é exercido  tradicionalmente em superfícies bidimensionais e realizado por meio do contato de algum recurso material seja um instrumento ou ferramenta capaz de deixar marcas e rastros.  Portanto, chama-se Desenho tanto o processo que o realiza quanto o eu dele decorre. As grafias, incisões, traços e linhas resultantes são tidas como imagens ou figuras que podem ou não corresponder ao que se vê no mundo natural ou meio ambiente. 
O Ato Gerador é, em princípio, o Gesto. Para que uma imagem surja originária e artificialmente é preciso criá-la pela mão humana. Conduzir o gesto na tentativa de contornar ou imitar algo é um processo relativamente complexo. Aciona-se tanto a capacidade visual quanto psicomotora. Não é uma tarefa simples, depende de coordenação motora fina. Além disso, deve-se considerar ainda que os materiais, meios e recursos disponíveis são diversos, entretanto, depois da criação de aparelhos óticos capazes de plasmar imagens por meio da luz como uma câmera fotográfica ou videográfica, hoje em dia: digitais isso mudou substancialmente.

Figurar coisas do mundo tem sido uma das funções mais recorrentes das imagens desde seu surgimento na pré-história. Tais figurações ora se comportam como representações, registros, documentário das coisas do mundo mas também sua compreensão como abstrações, rupturas e fuga destas mesmas coisas deste mesmo mundo, isto é invenção, criação, expressão: Arte.


Ao deixar de lado a questão da identidade visual, imitação ou figuração das coisas do mundo que as imagens podem conter, referenciar ou sugerir, é possível destacar as questões de caráter plástico ou seja, aquelas que dizem respeito ao ato configurativo em si. Configurar significa dar forma visível a algo. Ao criar uma imagem constitui-se algo prenhe de sentido cuja significação é passível de ser orientada, obtida ou interpretada a partir daí.


As características ou propriedades plásticas necessárias à configuração de uma imagem decorrem de aspectos materiais instrumentais, técnicos e gestuais sem tocarmos, no momento, em questões de ordem conceitual. Tais aspectos se referem aos rastros, marcas, resíduos decorrentes da interação entre os materiais, instrumentos, ferramentas usados para impor figuras às superfícies, suportes, matérias e ambientes.


O experimentalismo material, estético e conceitual tornou-se um recurso expressivo tanto quanto eram respeitados os processos e procedimentos imitativos para a Arte tradicional. Os elementos plásticos, visuais, operacionais, propositivos, constitutivos, gestuais ocasionais ou casuais passaram a ser considerados como informativos e, consequentemente, estéticos e conceituais dando margem ao surgimento do que se chamou Arte Pós-Moderna.


A maior questão é que com o advento da Modernidade e da Pós-Modernidade, o conceito de Desenho se expandiu de tal maneira que, hoje em dia, é quase impossível delimitar suas fronteiras, se é que existem.



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Talvez tenha sido Richard Long, em 1967, um dos primeiros artistas a pensar o desenho fora da caixinha e propor intervenções ambientais tomando como referênca a linearidade construída, até pelos nossos próprios passos.


Assim, os aspectos visuais decorrentes das qualidades plásticas resultantes das substâncias expressivas constituintes das imagens, fossem materiais ou gestuais, passaram a ser tomados como valores, sentido e significação e não só aparência. Qualidades matéricas como cor, textura e gestuais como marcas, direção e intensidade passaram a ser reconhecidas e conceitualmente lidas como sentido no contexto da Arte atual, Constructos Visuais ou Semióticos, se quisermos dar nome a eles.



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Walter de Maria, em 1977, faz com que os raios desenhem seus percursos no céu com pára-raios plantados no ambiente e os retém fotográficamente para a posteridade...


Portanto a expressão artística não se refere apenas aos valores temáticos, aos assuntos e figuras que criam, inventam ou representam mas também a tudo o que se constitui em imagem, desde os materiais usados para construir as obras, como os seus suportes e ambientes nos quais são configuradas, instauradas ou instaladas e provocam ou promovem a interação entre as pessoas. 


A ampliação dos sentidos é uma das características da Arte atual, interativa e dialógica. Nesse sentido entram todos os recursos possíveis e imagináveis, desde os tradicionais aos contemporâneos e tecnológicos. As fronteiras poéticas se romperam e não é mais tão fácil identificar ou classificar as manifestações artísticas num ou noutro gênero, daí a ideia de Campo Expandido.


Ligth Graph é um nome que adotei nesse texto para um procedimento simples.

O surgimento da fotografia possibilitou que se exercesse o controle sobre a luz, ou seja, tornou possível usar a luz existente ou produzida, como meio de iluminação ou, melhor ainda, de expressão.

Uma das estratégias interessantes é o uso da chamada Ligth Pen, ou seja, uma fonte de luz pontual como uma vela, uma brasa ou uma lanterna para desenhar sobre a superfície sensível da câmera fotográfica criando o que se chamou de Ligth Painting. 


Um dos melhores exemplos dessa estratégia foi quando Gjon Mili a utilizou para fixar a gestualidade Picassiana na construção de desenhos no ar, feitas para uma entrevista para a Revista LIFE, na década de 1950.


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pablo picasso's light drawings from 1949


Antes e depois disso vários artistas recorreram a este processo para criar imagens figurativas ou abstratas. Nada de novo, mas também nada nos impede de usar processos idênticos ou semelhantes para obter resultados interessantes.


Nesse sentido é que trabalhei a partir de tomadas de imagens fotográficas em câmera digital. Ao contrário do Ligth Painting (que é manter o obturador aberto e desenhar com uma fonte luminosa), fiz o contrário, mantive o obturador aberto sobre a iluminação existente no ambiente e usei a câmera como instrumento de desenho. O movimento da câmera é que constrói a grafia. Depois tratei algumas imagens invertendo, retirando cores, intensificando ou limpando, enfim, foi esse processo que usei e mostro aqui:


Foto grafismo produzido a partir da tomada de imagem com obturador aberto a partir de postes de iluminação pública e depois invertendo a cor e transformando em preto e branco.


Processo semelhante ao anterior, sem transformar a imagem em preto e braco, mas mantendo a inversão cromática.


Processo semelhante ao anterior, mantendo a inversão de cor e intensificação cromática.


O mesmo processo da anterior.


Imagem tomada diretamente sobre a iluminação existente e mantendo as características originais.


Processo igual ao anterior, intensificando os valores cromáticos.

Bem, como viram é possível grafar, desenhar, a partir da luz, da câmera, da mão, enfim é possível criar imagens gráficas de diferentes maneiras possíveis.


Uma ideia para usar nesses momentos de confinamento: vá a sua janela, à noite, munido de uma câmera e tente criar seus Ligth Graphs, garanto que será, no mínimo, divertido.


Saúde! Curtam e compartilhem, agradeço.









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